Nós que o amávamos tanto

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978-84-204-2331-9

A Feira do Livro de Buenos Aires já acabou, mas não quero deixar passar essa história. Não sei se foi bem divulgada no Brasil, então escrevo, por “las dudas”. Aqui, claro, teve muito barulho. É o seguinte:

Imaginem se a gente encontrasse no Brasil um baú cheio de originais de Guimarães Rosa ou Machado de Assis. Foi mais ou menos o que aconteceu, só que com Julio Cortazar. A história é de arrepiar e podia render um conto. Melhor, rendeu um livro, os Papeles Inesperados”, lançados agora na Feira de Buenos Aires pela editora Alfaguara

A obra é resultado da edição de centenas de originais inéditos encontrados por acaso pela viúva e herdeira universal do escritor, Aurora Bernárdez, no dia 23 de dezembro de 2006. Praticamente um milagre de Natal. O material estava em um móvel conservado pela mãe do escritor entre as coisas que Cortázar acreditava que deviam ser queimadas.

Julia Saltzmann, editora responsável da Alfaguara em Buenos Aires, disse em entrevistas que o material reúne obras que vão dos anos 30 até quase 1984. “Vai do ‘pre-Cortázar’ ao Cortázar famoso”. Carlos Álvarez, especialista em Cortázar, foi o responsável por fazer um inventário e catalogar os textos, que chegavam a 750. Segundo ele, entre esses papéis há 11 relatos nunca incluídos em obra alguma – como “Los gatos”, de janeiro de 1948, um dos mais antigos que se conservam do escritor.

Há, ainda, 13 poemas desconhecidos, um capítulo inédito do Livro de Manuel e 11 novos episódios do personagem que protagonizou “Um tal Lucas”, espécie de alter ego de Cortázar. Além de três historias de cronópios que ficaram soltas: “Never stop the press”, “Vialidad” y “Almuerzo”.

Em meio a esses papéis inesperados, Bernárdez e Alvarez tiveram que abrir um capítulo especial dedicado a “textos inclassificáveis”, aqueles que são “puro Cortázar”: jogos verbais fascinantes que chegam à categoria de epigramas. Nessa classificação aparecem, por exemplo, quatro “autoentrevistas”, onde o escritor é interpelado por um dúo sarcástico que relativiza todo o que ele diz: os personagens Calac y Polanco, que acompanharam a Cortázar desde sua novela 62, modelo para armar.

Um belo presente no ano em que se cumprem 25 anos da morte do escritor que propôs várias leituras possíveis para sua novela fundamental, Jogo da Amarelinha. E que agora segue brincando, com o tempo e o espaço, por meio de um achado inesperado em uma cômoda.

A foto acima foi feita por Mario Muchnik, editor argentino radicado na Espanha, durante visita de Cortazar ao país no verão europeu de  1983. O autor de “Rayuela” morreu em Paris poucos meses mais tarde.

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