Para entender um pouquinho as eleições de domingo

No próximo domingo, 28 milhões de argentinos irão às urnas para renovar metade da Câmara de Deputados (127 cadeiras) e um terço do Senado (24). Todas as províncias elegem deputados nacionais. Esta eleição, embora não seja uma presidencial, é considerada importantíssima porque definirá a composição do Congresso durante os dois últimos anos de presidência de Cristina Kirchner e, também, a posição de largada na corrida pela sucessão presidencial de 2011.

“Essa campanha é de tudo ou nada para os Kirchner. O que está na berlinda é a aprovação ou a punição ao governo. Além disso, os nomes que se fortalecerem serão importantes na próxima disputa, porque o matrimônio K. não vai deixar sucessores”, disse Ricardo Rouvier, da consultoria Rouvier&Asociados. “ Esta elección es como una presidencial sin serlo, y como un plesbiscito sin serlo”, resume.

Recentemente, fui ouvir uma palestra de Rouvier e de outros dois especialistas em eleições – Roberto Backman, do Centro de Estudos de Opinião Pública (CEOP) e Julio Aurelio, da consultora Aresco – na Universidade de Palermo.  O que vou escrever agora, então, é um pouco do que eles disseram.

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QUEM É QUEM NESSE JOGO. Pelo lado do governo, o ex-presidente Nestor Kirchner (2003-2007) encabeça a lista de candidatos a deputados pela província de Buenos Aires (NÃO CONFUNDIR COM A CIDADE). A província é o principal ponto da batalha eleitoral. Concorre pela “Frente pela Vitória”, sublegenda do Partido Peronista (Justicialista ou PJ Oficial). Tem como companheiro de chapa seu ex-vice e agora governador da província de Buenos Aires Daniel Scioli.

Ao contrário do que seria lógico, os peronistas não estão todos no Partido Peronista. Não! Eles estão por toda a parte, principalmente na oposição. Mas quem é a oposição? Em segundo lugar na disputa aparece a coligação “União PRO-PJ Dissidente”, isto é, os correligionários de Maurício Macri (um homem que joga à direita), prefeito de Buenos Aires, mais os peronistas dissidentes. Nessa chapa estão o deputado nacional Francisco de Narváez (um mega milionário acusado de ter contato com tráficante de efedrina e principal opositor de Kirchner na Província de Buenos Aires) e Felipe Solá (peronista com bons vínculos com o campo).

Em terceiro lugar está a chapa Acuerdo Cívico Y Social, uma aliança entre UCR (o centenário Partido Radical), Coalizão Cívica (encabeçada por egressos do radicalismo) e Partido Socialista. A UCR estava praticamente no limbo após o fracasso do governo de Fernando de la Rúa (1999-2001), que renunciou em meio à maior crise econômica do país, e renasceu após a morte, em março, do ex-presidente Raul Alfonsín. Os cabeças de chapa são Margarita Stolbizer e Ricardo Alfonsín (filho de Alfonsín). Contam com o apoio do vice-presidente, o polêmico Julio Cleto Cobos, expulso do partido radical por acompanhar Cristina como vice, e que agora volta ao partido.

COMO ESTAO AS PESQUISAS – Ontem (21 de junho) a situação era a seguinte:

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FUTURO – Se Kirchner ganhar na província, como prevêem a maioria das pesquisas até agora, o panorama político do casal é de triunfo. Mas terão menos cadeiras no Congresso, provavelmente. Pesquisa do Centro de Estudos Nova Maioria, divulgada dia 11, aponta para  perda da atual maioria no Congresso por parte do governo.  Na Câmara de Deputados, o número de parlamentares do governista Partido Justicialista (peronista) e da sua sublegenda Frente Pela Vitória (FPV) deve cair de 115 para 101, de um total de 257 cadeiras. Mesmo contanto com os 26 assentos que devem ser conquistados pelos “neutros” – partidos provinciais e grupos menores que em geral se alinham com o governo – Cristina obterá, segundo levantamentos, 127 votos na Casa, 2 a menos que o necessário para aprovar leis.

Enquanto isso, a oposição, composta pelo peronismo dissidente, a União Cívica Radical, a Coalizão Cívica, a Proposta Republicana e os socialistas, deve ver seu número de cadeiras na Câmara dos Deputados subir de 110 para 130.

No Senado, a bancada governista também encolherá, segundo as pesquisas, embora em menor escala. Ela passará de 38 para 35 cadeiras, de um total de 72, e para aprovar seus projetos dependerá do apoio dos neutros, que obterão 5 assentos. A bancada opositora crescerá de 28 para 32 senadores, mas também precisará atrair os partidos menores.

Com isso, o Casal K. terá de fazer alianças para governar e também negociar os candidatos para 2011. Além disso, ficam com seu domínio muito confinado à Província de Buenos Aires, especialmente ao chamado “segundo cordon”, as camadas mais pobres. Ninguém faz muita previsão para o caso de Kirchner perder.

A CLASSE MÉDIA E A MÍDIA. Quando foi eleito, Kirchner era praticamente um desconhecido, sem poder próprio. Por isso, se apoiou muito opinião pública, mais que no ex-presidente Duhalde e do que no Partido Peronista. O perigo é que a opinião pública é muito volátil e muito “alinhada” com a mídia. Essas duas forças – opinião publica e mídia – acompanharam o presidente em seus três primeiros anos de governo, tanto é que Kirchner deixou o cargo com 70% de aprovação. Mas a situação começou a mudar depois do desastroso conflito com o campo (setor que foi apoiado imprevistamente pela opinião pública), no ano passado. A questão das retenções, acrescida da volta da inflação, números que o governo tentou mascarar, criou um clima que hoje é de hostilidade.

Somado a isso,  um meio de comunicação forte, como o Grupo Clarín, que inicialmente também apoiou o governo, passou a jogar em outro campo para defender seus interesses. Detentores do monopólio de TV a cabo na Argentina, eles estão contra, por exemplo, à nova lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que o governo que fazer passar no Congresso. O novo texto propõe, entre outros temas, reduzir de 24 para 12 o número de licenças de radiofusão que poderia ter um mesmo grupo empresarial. Com este cenário, o final do governo K passa, de qualquer forma, pelas “pazes” com estes dois setores, nem que seja de forma temporária.

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