Casa, comida e afeto

Segue abaixo coluna publicada hoje no blog do jornalista Ricardo Noblat

Gatos-61

“Hay que limitar a efuzividade afetiva” dizia um médico domingo à noite, em um canal de televisão aqui da Argentina. Faz parte das orientações para reduzir o risco de contágio do vírus H1N1, que causa a gripe A. Quer dizer, não apertar as mãos, não abraçar, não chegar perto, não beijar. Retirar o afeto para não morrer de gripe. Sem levar em conta que o amor, o carinho e o contato físico são parte da nossa sustentação emocional nessa vida louca.

Em meio a conselhos assim, para se afastar “do outro”, me chamou a atenção uma cena, no mesmo programa: a presidente Cristina Kirchner durante a posse do novo ministro da Saúde, num salão lotado de gente, beijando sem parar e respirando a centímetros de outras pessoas. Verdade. Quarta-feira passada, no dia em que a Argentina ficou sabendo que não havia cerca de 1500 casos no país como se pensava, e sim mais de 100 mil, a principal autoridade da nação beijou 37 pessoas em menos de cinco minutos. Está gravado, não estou inventando. E eu é que tenho que me afastar dos meus?

Por isso mesmo me pareceu interessante entrevista publicada domingo passado no jornal Página 12, com a psicóloga Alicia Stolkiner, titular da cadeira de Saúde Pública da Universidade de Buenos Aires. Ela traz para “a gente”, para o indivíduo, um pouco da responsabilidade. Abre parêntesis: o tema de hoje não são as trapalhadas do governo, a falta de comando, a manipulacão dos números, o pouco investimento em saúde pública. Fecha.

Alicia defende que é um erro insistir na idéia de que se evita a enfermidade basicamente evitando o outro. Que o problema “vem de fora”. Isso poderia, segundo ela, levar tanto a uma subestimação dos cuidados pessoais que temos que ter, como lavar as mãos com mais frequencia, como a uma discriminação aos desconhecidos.

Para ela, também è uma fantasia acreditar que se sai da enfermidade com um simples medicamento. A psicóloga sugere que a gente aproveite essa gripe para reavaliar algumas coisas, como a forma que cuidamos do nosso corpo.

É um momento de fortalecer o sistema imunológico, de reforçar nossas defesas para não nos enfermarmos, para que o nosso corpo não seja uma porta aberta para o vírus. “Mas isso passa por um questionamento sobre o estilo de vida que levamos hoje”, diz.

Ela lembra que os mais afetados são pessoas entre 16 e 45 anos. Pessoas que sofrem pressão para serem “produtivas” o tempo inteiro. Estudar, trabalhar, ganhar dinheiro, estar em forma (e bem informado) e ainda se divertir, claro. Isso leva, muitas vezes, a uma redução do tempo de descanso e a má alimentação. O corpo responde aos níveis de exigência e pressão. Alicia não tem dúvidas sobre isso, eu também não.

Um corpo mais fortalecido, mesmo em caso de gripe, também está mais preparado para enfrentar a doença. Mas para isso é preciso recuperar conceitos simples e antigos, como fazer repouso em caso de enfermidades. O nosso ritmo às vezes não nos permite parar nem quando estamos doentes. “Nessa hora, não se trata apenas de prover medicamentos, mas sim também alimentação e abrigo”. E muito afeto, sempre, um dos melhores remédios quando a gente esta dodói.

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/07/07/casa-comida-afeto-202637.asp

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