A história da Eloisa Cartonera

Nem todos os jornalistas vêem a mesma coisa no lixo.

A Eloisa Cartonera é uma cooperativa criada por autores argentinos e formada por dez sócios que, desde 2003, produz livros artesanais.

O miolo é feito em uma impressora caseira na sede da editora, a passos do estádio La Bombonera. E as capas confeccionadas em papelão comprado diretamente dos cartoneros argentinos – “profissão” que surgiu com a explosão do desemprego na crise de 2001 e que equivale aos catadores de papel brasileiros.

Segundo o Movimento Nacional de Trabalhadores Cartoneros e Recicladores, em Buenos Aires e arredores cerca de 100 mil pessoas vivem da cata de papel, sendo que 98% deles não fazem parte de nenhuma associação ou cooperativa. Na editora, eles recebem 0,25 centavos de peso por caixa (o mercado paga 0,45 centavos pelo quilo).

Ao som de uma boa cumbia, essas caixas viram capas, desenhadas e pintadas com temperas coloridas por jovens filhos de cartoneros, ou por eles mesmos. Cada livro é único e vendido por 5 pesos na própria editora, em feiras e em livrarias. As edições não passam de mil unidades e, para algumas pessoas, viraram peças de coleção.

O catálogo é de primeira e tem somente autores latino-americanos. Ricardo Piglia, Alan Pauls, Mario Bellatin, César Aira. O último conto de Tomás Eloy Martínez, só tem lá.

“Buscamos material inédito ou esquecido, mas também de vanguarda e de culto, como Andrés Caicedo e Mario Levrero”, conta o chileno Alejandro Miranda, que aderiu a iniciativa.

São quase 150 títulos, sendo que do Brasil eles vendem Haroldo de Campos, Manoel de Barros, Jorge Mautner, Glauco Mattoso, Wally Salomão.

Criada por Washington Cucurto (um dos heterônimos do escritor Santiago Veja) e pelo artista plástico Javier Barilaro (responsável pelos projetos gráficos), a iniciativa deu tão certo que serviu de modelo para uma “rede cartonera”.

A partir da Eloísa nasceram pelo menos 15 editoras-irmãs, entre elas Yerba Mala Cartonera (na Bolívia), Sarita Cartonera (Peru), Lupita Cartonera (México), Animita Cartonera (Chile) e Dulcinéia Catadora (Brasil).

Os traços em comum: estão situadas em periferias, desenvolvem uma economia informal de subsistência, trabalham artesanalmente de forma coletiva, imprimem tiragens limitadas e estão sempre em busca de novos autores e leitores.

Este mês, a editora oferece um trabalho com crianças nos parques de Buenos Aires. Em oficinas que duram duas horas, pequenos a partir de seis anos aprendem a cortar as capas, fazer o estêncil com o titulo da obra, e compor seus interiores. Depois, pintam as capas, encadernam e ainda recebem noções de reciclagem.

De quebra, levam para a casa alguns exemplares de presente. A editora tem quatro livros infantis – exatamente os mais vendidos.

Mas a Eloisa é mais que livros. É só conversar um pouquinho com Miriam Sánchez, “la Osa”, para perceber. Ela era catadora e há cinco anos cumpre funções múltiplas na casa, desde pintar até distribuir as obras em livrarias sofisticadas.

Ficou famosa, viaja, concede entrevistas. Muita gente pensa que ela é a Eloisa que dá nome ao negócio. Mas não. Entre seus livros preferidos está Salão de Beleza, de Bellatin, o mesmo que estou lendo agora.

“Cartón es vida”, ela me diz, mostrando uma placa na parede. A gente se abraça e eu vou embora. Chove muito. O lixo, o outro, entope os bueiros.


La Osa e Alejandro, na oficina para crianças

Outras editoras cartoneras:

Animita Cartonera– Santiago – Chile

Sarita Cartonera– Lima – Peru

La Cartonera – Cuernavaca – México

Yiyi Jambo – Asunción – Paraguai

Matapalo Cartonera– Quito – Equador

Yerba Mala – La Paz – Bolívia

Mandrágora Cartonera– Cochabamba – Bolívia

Dulcinéia Catadora – Brasil

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