Cartas de Baires: Um mundo de 20 assentos

Segue abaixo a íntegra da coluna CARTAS DE BUENOS AIRES, sobre os “colectivos” portenhos.

 

Um mundo de 20 assentos

Sempre que recebo uma visita em casa faço questão de incluir pelo menos um passeio de ônibus pela cidade. Os “colectivos” ou “bondis” são o transporte publico mais utilizado pelos portenhos, uma instituição da capital argentina.

Dizem que foi inventado aqui por um grupo de taxistas que, cansados da falta de clientes, criaram o “taxi colectivo” em 24 de Setembro de 1928, data em que começaram a oferecer aos gritos viagem até Caballito por 20 centavos.

Os ônibus são identificados por números e por cores. São mais de 130 recorridos e cerca de 10 mil carros. Confesso que já tenho certo afeto pelos que tomo mais frequentemente – como o 29 e o 102.

Aulinha básica: a gente entra pela porta da frente e não tem cobrador. Em geral, é preciso dizer para o motorista o valor do bilhete. A tarifa aqui é subsidiada pelo governo federal e custa menos de 50 centavos de real – 1,10 pesos para trajetos de até 3km, 1,20 até 6km ou 1,25 para trajetos acima desta distancia.

Depois disso, pagar com moedas (!!) numa máquina que fica dentro do veículo. Todos já operam com cartões magnéticos, mas turistas normalmente usam o sistema antigo.

Três problemas: a frota aqui é mais antiga que a brasileira, a maioria supera em 50% o nível permitido de ruídos e na hora de pico estão absolutamente lotados.

Muitos devem estar pensando porque submeter um turista ao que parece uma tortura? Para mostrar o fileteado e a decoração! Aqui os choferes dirigem sempre os mesmos carros e, por isso, os personalizam bastante.

Muitos ainda possuem nos lados de fora um desenho fileteado, estilo de pintura que nasceu em Buenos Aires no final do século XIX, como ornamento para embelezar carroças de tração animal que transportavam alimentos, e com o tempo se transformou em uma arte pictórica própria dessa cidade.

Por dentro, objetos ornamentam a cabina do condutor. Espelhos, volantes nacarados, cortinas, bichos de pelúcia, objetos luminosos que se acendem e se apagam de acordo com o movimento do carro, imagens da Virgem de Lujan e de Gauchito Gil, fotos de Gardel ou Maradona. E à noite, não raro, luz negra e música – que pode variar de Pink Floyd, a clássica ou cumbia.

As linhas 29, 64 e 60 são as que possuem os ônibus mais produzidos. E na 109 todos os carros tem nomes: Mickibus, El hada nodriza, El dandy, Mala conducta.

Para entender o emaranhado de linhas é fundamental comprar um livrinho chamado Guia T, que traz o trajeto de cada roteiro, com um desenho do ônibus ao lado para facilitar a identificação.

Duas linhas são fundamentais para quem está de visita. A 152, que vai de La Boca a Olivos, passando por quase todos os pontos turísticos de Buenos Aires, e a 60, a que traz para casa – não importa onde a casa seja. Como é a linha que faz o trajeto mais longo, de Constituição ao Tigre, sempre vai passar por algum lado conhecido. Não tem erro. Está perdido, toma o 60.

Recentemente, a edição de “El libro de los colectivos” rendeu uma homenagem aos colectivos, com uma serie de fotos de detalhes dos carros.

Mas a paixão nao é de hoje.

O titulo da coluna é o mesmo de uma telenovela de 1978 cujo protagonista era um motorista e mocinha,uma passageira.

O romance rolava, como nao podia ser de outra forma, no 60!

6 Comments

  • adorei! acho que todo turista tem que ir de “bondi” em buenos aires. dá pra viajar vendo a cidade e a maioria das linhas não deixa ninguém esperando. os táxis não são tão baratos como antes, e o metrô vive lotado, não importa a hora…o meu “bondi” do coração é o 110.

  • jair disse:

    estive aí pela 3a vez há uns dias e de novo não andei de ônibus = dessa vez tinha até planejado fazer a tarjeta SUBE, mas tinha muita fila e acabamos mudando os planos… mas pelo menoas comprei um guia T!

    e gostei demais dessas historinhas aí!

  • Hilda Rocha disse:

    Adorei! Não sabia sobre eles e agora fiquei bem curiosa. Quero conferir na próxima ida a Buenos, com certeza! Mais um show de criatividade dos hermanos.

  • Rogerio Perez disse:

    Gisele, espetacular. Profissionalmente fui muitas vezes-no século passado – a Buenos Aires e outras paragens. Agora, a passeio e junto com minha mulher e amigos, estive quase 10 vezes recentemente pela bela capital dos argentinos. E sempre gostei de usar os colectivos, que achava serem microbus ou autobus, por serem linhas que nos dão uma visão real do que é a cidade e sua gente. Sempre fico em hoteis perto da Corrientes e cheguei há uns três anos, a comprar um guia das linhas. Não conhecia a história deles como vc tão bem contou e me deu uma saudade danada de ir a Buenos Aires novamente. Gracias por sua sensibilidade. Rogério Perez

  • martha disse:

    ESMERADÍSIMA, COMPLETÍSIMA Y DIVERTIDÍSIMA EXPLICACIÓN
    DE LO QUE SON LOS COLECTIVOS EN LA REINA DEL PLATA !

  • Liliana disse:

    ¡¡Excelente homenaje a nuestros queridos colectivos!! Yo hago lo mismo: casi obligo a los extranjeros a viajar en alguno, como mínimo una vez. Agrego un dato: los boletos pueden ser más caros, si los tomamos en la Provincia, las “secciones” son más cortas.Otro: una decoración muy común de los colectiveros es escribir los nombres de sus hijos. El 60, un clásico lamentablemente venido a menos. A pesar de lo que mucha gente diga, me encanta viajar en colectivo, puedo ver la luz (no como en el subte), las calles, la gente pasar. El título, un guiño claro para los argentinos.

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