A Copa do Mundo do Tango

Reproduzo no blog a matéria que fiz para o jornal O Povo, de Fortaleza, publicada hoje.

Foto Gisele Teixeira

O mês de agosto em Buenos Aires é como junho em qualquer capital do Nordeste do Brasil. Sinônimo de festa. Chega gente de todo o lado. Até do Japão! São turistas e bailarinos que vem acompanhar – ou competir – no Festival Mundial de Tango, uma espécie de copa do mundo que este ano envolve 490 casais. São esperadas 400 mil pessoas para o evento, que dura até o dia 30.

A disputa elege os melhores bailarinos nas categorias de salão e de palco. No primeiro caso, o que se vê é o tango “de verdade”, dançado nos bailes e nas festas. Qualquer casal que elevar a perna acima do nível do joelho é desclassificado. No segundo é apresentado o tango show, mais acrobático. Vale tudo.

Paralelo à disputa, mais de 120 shows gratuitos, aulas. feira de produtos “tangueiros” e milongas (os bailes).

O tango argentino vem vivendo um momento muito especial nos últimos anos, um renascimento após anos de retração, com o surgimento de orquestras e com o interesse de gente mais jovem pelo baile. Em 2010 foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela ONU. Esse frisson, que há muito não se via, reflete direto no mercado. Como qualquer outra tribo, as “tangueiros” gastam. E muito. Em casas para dançar, espetáculos, aulas, roupas e, especialmente em sapatos. Um bom show de tango, com jantar, pode custar até US$ 500, como o do Hotel Faena, o mais caro de todos. Estima-se que esta indústria gire em torno de US$ 600 mi por ano na Argentina. Boa parte desse dinheiro entra agora, na hora da safra.

Para se ter uma ideia, existe mais de 100 milongas semanais em Buenos Aires. Na segunda-feira, dia normalmente tranquilo na maioria das cidades, aqui há pelos menos dez bailes que lotam. Milongas de todo o tipo. Ao ar livre, em edifícios clássicos, com vista, apenas para gays, bem tradicionais, mais alternativas, secretas e até para crianças.

O tango tem fama de ser uma dança difícil. E é. Especialmente pelo fato de ser improvisada o tempo inteiro. Tem uma base, como o jazz, mas fora isso se constrói ao andar. É criação em tempo integral. Saber passos não basta. Por isso os bailarinos vencedores do Mundial de Tango levam para casa muito mais do que um título. Ser o melhor do mundo abre as portas de um mercado internacional milionário, que envolve aulas, seminários e turnês com faturamento em euros e dólares.

Os brasileiros não têm ideia, mas baila-se o chamado 2×4 em todos os continentes e muita gente paga peso de ouro para aprender a dançar no “estilo” argentino. Alguns bailarinos vêm de férias e não voltam mais. Tanto é que este ano tiveram que criar uma categoria nova na competição, chamada Milongueiros do Mundo, para estrangeiros que vivem em Buenos Aires. Os que vivem fora competem em outra categoria.

Dias 29 e 30 serão as grandes decisões, disputadas no estádio Luna Park.

As novidades estão no site do governo da cidade: www.tangobuenosaires.

ETIQUETA MILONGUEIRA 

Milongona que se arma todos os dias no festival (Foto Divulgação)

As milongas possuem códigos que muitas vezes os turistas não se dão conta. Nos locais mais tradicionais, por exemplo, ainda vale o “cabeceo”. Os homens fazem contato visual com as mulheres e as tiram para dançar fazendo um leve sinal com a cabeça, de longe. Há todo um jogo de sedução. A vantagem é que se não houver interesse, a bailarina pode fazer cara de distraída e o homem não passa vergonha.

Para “cabecear” melhor, mulheres e homens solteiros buscam sentar nas mesas mais perto da pista. Os casais, educadamente, sentam mais atrás, e mulher acompanhada do marido é praticamente ignorada pelos outros homens. A menos que seu companheiro dê um sinal verde, também dançando com outras.

É de bom tom dançar todas as músicas que duram uma tanda (quatro ou cinco tangos de uma mesma orquestra) e não falar enquanto se dança (melhor deixar para mais tarde).

Todos giram em sentido contrário às agulhas do relógio. Os mais habilidosos circulam por fora da pista e os iniciantes pelo meio, para não atrapalhar o fluxo. Parece exagero, mas se não for assim vira a maior confusão e todo mundo se “pateia”, como se diz aqui.

Normalmente não se convida para dançar a mesma pessoa duas vezes por noite, a não ser que seja muito amigos ou haja um interesse além do baile. Três vezes é casamento! E os tangos do maestro Osvaldo Pugliese, que normalmente só tocam no final da festa, são guardados para dançar com a pessoa que mais se deseja.

Tudo isso acontece nas milongas tradicionais. Nas modernas, as regras são mais flexíveis. Por incrível que pareça, as duas fórmulas têm seus encantos.

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