Cartas de Baires: o Caso Candela e a imprensa argentina

Segue abaixo a coluna Cartas de Buenos Aires, publicada hoje no Blog do Noblat. 

Imprensa fazendo "portaria". Foto Clarín

O seqüestro e morte de uma menina de 11 anos, cujo corpo foi encontrado quarta-feira passada na periferia de Buenos Aires, comoveu o povo argentino. E abriu uma discussão sobre os limites da interferência da mídia nestes casos.

Candela Rodríguez desapareceu em 22 de agosto, quando saiu de casa para se encontrar com um grupo de amigas. Seu corpo foi encontrado dia 31 dentro de um saco, nu, a três quilômetros de onde ela vivia, por uma catadora de lixo. Não houve pedido de resgate.

Desde o início, uma grande operação foi montada para encontrá-la. Familiares e amigos fizeram uma marcha, a mãe foi recebida pela presidente Cristina Kirchner, o governo de Buenos Aires ofereceu 10 mil pesos de recompensa a quem ajudasse a esclarecer o caso e até atores famosos se envolveram na busca da menina.

Para completar, os investigadores anunciaram um reforço de 1600 agentes, dois helicópteros, 15 cães rastreadores e 143 carros.

Tudo foi mostrado em tempo real pela mídia, 24 horas por dia. Os jornalistas tiveram acesso a toda a investigação e, mesmo quando não havia novidade, mantinham o foco neste tema com entrevistas absurdas com as amiguinhas de colégio, os vizinhos, e “palpiteiros” em geral. No grand finale, sem pudores, as televisões mostraram as cenas em que a mãe identifica o corpo da filha.

O resultado da autopsia mostrou que Candela foi morta por asfixia apenas 36 horas antes de o corpo ser encontrado. Isto é, passou com vida durante sete dias em que esteve em cativeiro!

Durante este período não foi violentada nem mal tratada. Especialistas disseram que, pelo estado de nutrição, hidratação e falta de sinais de ataduras, ela provavelmente se movia dentro do perímetro em que estava encerrada. E levantaram a hipótese de ela ter sido levada por uma pessoa próxima à família.

Teriam os seqüestradores se assustado com a repercussão do caso? Seria possível outro desfecho se a investigação tivesse sido sigilosa? Precisava essa cobertura obsessiva?

Nunca saberemos.

Depois da morte de Candela, os investigadores se fecharam, mas as matérias sobre o caso devem continuar ainda por algum tempo. Agora, a mãe da menina passou de vítima a suspeita. Os jornais especulam que ela sabia mais do que contou à polícia e que a família estaria envolvida em trafico de drogas. O pai está na cadeia por roubo de cargas e tem uma ficha corrida nada modesta.

Ontem alguns veículos começaram a dizer que Candela nem seria mais virgem. Só o que falta é agora é ela virar culpada. Um horror, tudo.

Desde 2003,quando foi criado o Registro Nacional de Pessoas Menores Desaparecidas, foram recebidas 17.924 denúncias. Desse total, 16.076 ocorrências foram resolvidas. Houve 11 mortes entre todos os casos – incluindo Candela.

Esta é a única certeza até agora.

Sobram reflexões.

3 Comments

  • jair disse:

    acompanhei pela internet esse caso e pude ver que a mídia argentina se comporta igual à brasileira, fazendo uma cobertura sensacionalista. lamentável…

    cheguei a ler em algum site que a mãe dela recebeu um pedido de 100 mil dólares. essa informação não procede? e que isso seria uma quantia que o pai da menina teria ‘roubado’ de ex parceiros de crime.

    complicado demais e infelizmente a vítima foi uma criança! independente do motivo, não dá prá ficar indiferente diante de um caso assim. e aí pudemos ver outra semelhança brasil – argentina: o despreparo da polícia.

  • Hilda Rocha disse:

    Enormes semelhanças com a mídia brasileira. Lembrei do caso Eloá Pimentel, em São Paulo. A mídia transmitia tudo, 24h. O sequestrador e ex-namorado da vítima acompanhou todas as informações sobre o sequestro pela TV. O desfecho, assim como o de Candela, foi a morte.
    Muito triste…

    Abraço,
    Hilda

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