Cartas de Baires: Medianeiras, conflito e solidão

Em cada janela também bate um coração

O filme argentino Medianeiras, de Gustavo Taretto, tem feito sucesso por onde passa e aborda “o tema” das grandes cidades, a solidão na era do amor virtual.

A história é contada por Martin, um fóbico buscando readaptar-se ao mundo, e Mariana, recém saída de um relacionamento. Ambos são vizinhos, vivem em Buenos Aires, na mesma rua, na mesma quadra, mas nunca se encontram.

A arquitetura aparece como terceiro protagonista, como vilão e como metáfora de isolamento e falta de comunicação.

Logo no início o personagem masculino diz o seguinte: “estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais de cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, o suicídio, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a inseguridade, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e da construção civil. Destes males, salvo o suicídio, padeço de todos”.

Os dois personagens moram em “monoambientes”, as nossas conhecidas quitinetes, e tomam a decisão de abrir janelas nas paredes laterais de seus apartamentos para ganhar um pouco mais de luz.

Isso, aqui na Argentina, não é permitido. De acordo com o Código Civil, as medianeiras (como são chamadas as paredes cegas que dão para o prédio vizinho) são intocáveis, pelo menos no papel. A justificativa é a garantia da privacidade. Janelas, somente na frente ou para o fundo.

Para cumprir a lei, muitos apartamentos viram grandes poços escuros. Pelo menos até que um morador se rebele e resolva abrir seu buraquinho. E o outro também. E o outro também. Assim a cidade vai ganhando paredões salpicados de pequenas janelas caóticas, cada um de um tamanho e formato.

No filme, as janelas representam uma mudança na situação dos personagens, uma luz. Na vida real não é bem assim. As medianeiras também são fonte de milhares de brigas judiciais.

O tema foi abordado em outro ótimo filme, o Homem ao Lado, de Mariano Cohn. Um vendedor de carros usados resolve abrir uma janela para o lado do vizinho. Só que este próximo vive em uma casa totalmente envidraçada, em La Plata, a única projetada por Le Corbusier na América Latina.

Nesse caso, a medianeira não separava apenas duas pessoas, e sim dois mundos, que entram em conflito ao tomarem consciência um do outros.

Bom tema para os profissionais reunidos este mês para a XIII Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires, que poderiam lançar a campanha “Ventana para todos!”.

Uma janela é sempre símbolo de comunicação e se converteria em uma expressão a mais da democracia que os argentinos estão aprendendo a viver.

Leitura indicada: Rodolfo Livingston, Arquitectura y Autoritarismo 

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