Cartas de Baires: arte e paixão no subsolo

Siqueiros e Blanca

 

A Plaza de Mayo tem atrativo secreto:  o mural Exercício Plástico, do mexicano David A. Siqueiros (1896-1974). A obra tem uma história que mistura arte, amor, traição, dinheiro, poder. Está guardado no Museu do Bicentenário, após anos de abandono.

Tudo começou em 1933 quando Siqueiros desembarcou em Buenos Aires acompanhado da mulher, a poeta uruguaia Blanca Luz Brum.

Siqueiros é considerado, junto a Diego Rivera e José Clemente Orozco, um dos pais fundadores da escola muralista mexicana, que proclamou uma arte pública dedicada a temas revolucionários e sociais com o objetivo de inspirar as classes populares.

Aqui, o casal conheceu Natalio Botana, fundador do jornal Crítica e excêntrico milionário argentino. Foi ele quem pediu ao artista que pintasse um mural num porão de sua casa de campo, na periferia de Buenos Aires.

O mexicano aceitou a oferta e convocou três jovens pintores para a empreitada: Antonio Berni, Lino Spilimbergo e Juan Carlos Castagnino – que depois fariam os murais da Galeria Pacifico e dariam início ao movimento muralista argentino. Completava a equipe o cenógrafo uruguaio Enrique Lázaro.

A obra foi executada em apenas três meses e é a única em que Siqueiros driblou a temática política e social. Pintou sua mulher, Blanca, com uma técnica moderna para sua época.

siqueiros ejercicio plastico museu do bicentenario

Adoro esta imagem. A obra esta aí dentro. 

Os artistas substituíram o pincel pelo aerógrafo, o desenho pela fotografia, o óleo pelas resinas sintéticas o banco acadêmico por um ponto de vista arbitrário que se desloca o tempo todo. A intenção era simular uma caixa de cristal afundada na água e visitada por voluptuosas figuras aquáticas.

Para isso, usaram slides que se projetavam de forma oblíqua contra a parede. Como os muros do subsolo eram curvos, as imagens das mulheres nuas se deformavam e os contornos eram traçados a partir dessas imagens.

Blanca não foi somente musa inspiradora: sua figura dotou o mural de um halo de lenda e misticismo. Enquanto Siqueiros pintava o corpo nu de sua mulher no subsolo, Blanca se convertia em amante de Botana. A obra é, dessa forma, também um retrato do fim de um romance.

Pouco tempo depois, Siqueiros apoiou uma greve de trabalhadores e foi expulso do país. Blanca ficou na Argentina, com Botana.

Com a morte do empresário em 1941, a propriedade foi vendida e a mulher do novo dono tentou destruir o trabalho com ácido, por considerá-lo muito pornográfico. Não deu certo. Ela então tapou o mural com cal.

Em 1989 o lugar foi comprado por Héctor Mendizábal, que decidiu resgatar o mural e o separou em cinco pedaços como se fosse um quebra-cabeças, com a intenção de mostrá-la ao mundo.

A obra de engenharia foi super sofisticada, mas esbarrou com um problema judicial e os pedaços ficaram 17 anos guardados em caixas até que, em 2003, Nestor Kirchner declarou o trabalho de interesse artístico e o Senado aprovou a sua expropriação.

Com uma história assim, o mural já virou filme. Aliás, dois. A ficção El Mural de Siqueiros, de Hector Oliveira (o mesmo de Patagônia Rebelde), e o documentário Los Próximos Pasados, de Lorena Muñoz. 

 

 

Textos técnicos sobre o tema:

1. O MURAL DE SIQUEIROS NA ARGENTINA – ARTE E POLÍTICA NA AMERICA LATINA, do historiados Daniel Schávelzon, publicado na revista Contratiempo. Integra AQUI. 

2. Un “Ejercício Plástico” para el arte, de María Laura Guevara (Agencia CTyS). 

1 Comment

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *