Cartas de Baires: Haitianos, desastres ambientais e novas migrações

Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados

(Haiti, Caetano Veloso)

Lembro a resposta do meu editor quando, em 2003, em Brasília, pedi a ele que me mudasse da editoria de política para a de meio ambiente. “Você quer sair da capa para ir para a última página?”. Na época já não tinha a mínima dúvida sobre isso e hoje, infelizmente, as manchetes mostram que minha decisão foi acertada.

Semana passada, li várias matérias sobre a chegada de haitianos ao Brasil e também o relatório Estado da Migração Ambiental 2010, divulgado em Genebra. Neste último, o texto destaca que os deslocamentos populacionais ligados aos desastres ambientais já superam os provocados por conflitos armados.

No caso do Haiti, naturalmente afetado por furacões e terremotos, se somam outras tragédias, como a redução da cobertura vegetal para 1%, falta de água, epidemias e governos que a gente sabe bem como foram.

As cifras são significativas: em 2008, 4,6 milhões de pessoas tiveram que deslocar-se em função de conflitos armados, contra 20 milhões que o fizeram por problemas ambientais. Em 2010, o número de atingidos por questões climáticas subiu para 38 milhões. O numero de refugiados políticos é de 16 milhões de pessoas.

O documento se concentra no Haiti e Chile (terremotos), Franca (tempestades), Rússia (incêndios florestais), e Paquistão (inundações) e pode ser lido na íntegra AQUI. Menciona ainda três cases do Brasil – migração pela seca no Nordeste, desmatamento na Amazônia e inundações no Rio de Janeiro. Velhos conhecidos.

Escrevo esta coluna porque um país que cresce com pouco cuidado com o meio ambiente, como o Brasil, precisa pensar em como vai pagar esta conta. Ser a sexta economia do mundo tem a ver com isso, embora muita gente não veja a conexão.

A arquitetura jurídica internacional existente ainda não ampara a estes refugiados, que dentro de oito anos serão 320 milhões. “Recusar estas pessoas é a receita para o desastre”, diz o relatório.

Excelente matéria de Eric Nepomuceno, no jornal Página 12, aponta que há dois tipos de recepção para estrangeiros que vêem o Brasil como terra prometida.

Segundo o texto, o governo prepara uma nova política de imigração destinada a profissionais estrangeiros “altamente qualificados”. Isto é, para imigrantes de luxo, especialmente europeus, que poderão entrar em numero de até 400 mil, mais ou menos. Por outro lado, o país permitirá a entrada de 1200 haitianos por ano, por cinco anos.

Nepomuceno lembra que desde 2008, 87 mil espanhóis foram beneficiados pela generosidade brasileira, e ninguém falou de onda de imigração espanhola, como se referem em Brasília aos quatro mil haitianos que fugiram das ruínas em que se transformou seu país desde o terremoto de 2010. “Colas y filas para haitianos, alfombra roja para europeos”.

Na Argentina, a lei de migração (Lei 25.871) é considerada avançada. Sancionada em 2004 e regulamentada no ano passado, reconhece que “o direito a migração é essencial e inalienável da pessoa” e garante ao migrante o acesso a todos os direitos, serviços e bens públicos em igualdade de condições com os cidadãos argentinos, desde que não tenha antecedentes de delinqüência.

Mas o descaso com o meio ambiente é gigantesco.

Um tema a pensar. Para todos os países.

Sugestão de leitura: Colapso, de Jared Diamond

Texto no Noblat, AQUI. Desculpa aí se a Carta de hoje tem pouco de Argentina…

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