Depois de 30 dias fora de Buenos Aires, descubro que um dos principais assuntos da cidade (além do vice de Cristina Kirchner, claro) é o preço da erva mate, que aumentou 25% na última quinzena e chegou a 30 pesos o quilo em alguns supermercados. O assunto chegou aos cadernos de economia. Inflação, oligopólio, cartel.
Para uma viciada em chimarrão como eu – duas térmicas por dia, mínimo, para recuperar as prioridades – o tema rende nota tanto quanto política. Aqui em casa tem mate cevado de manha, no finalzinho da tarde e, porque não, às vezes também de noite. Quando estou escrevendo a coluna, sempre. E quando viajo também. Cuia e bomba na mala.
Por sorte, saí do Rio Grande do Sul para morar justo em outro país “mateiro”. Uma pesquisa do Instituto de la Yerba Mate mostra que a infusão está presente em 98% das casas do país! Há máquinas de chimarrão nas rodovias argentinas semelhantes às máquinas de refrigerante, e até devotos da Virgen Gaucha del Mate. Sim, isso existe.
Mas há diferenças entre o mate argentino e o gaúcho, claro. E grandes. A primeira é a erva. Aqui é pura folha, não em pó como a nossa, e muito mais forte. Por isso, há quem tome o mate com açúcar, colocado diretamente na cuia a cada servida. Um absurdo.
Outra diferença está na cuia. A gaúcha é produzida com porongo, e melhor que seja dos grandes. Aqui eles tomam mate em qualquer lugar. Em cuias de alumínio, de vidro, de porcelana e até em copinhos. Minúsculos. Um gole “no más”.
No preparo, enquanto o argentino põe a erva na cuia inteira, nós, gaúchos, fazemos aquele montinho de lado, com espaço para a água. E outro dado para quem está chegando: na Argentina não se pode agradecer entre um mate e outro porque isto significa que não se quer mais. Gracias, só no fim mesmo.
Para aficionados, sugiro uma visita ao Museu do Mate, no Tigre. São mais de 2 mil pecas, entre cuias, bombas, recipientes para erva e chaleiras, vindos de diferentes lugares do mundo, além de livros sobre mate e instrumentos musicais feitos com porongos. Entre as raridades, a primeira térmica do mundo! Outra pedida é percorrer a Rota da Erva Mate, que atravessa Corrientes e Missiones.
Os dois lados do Rio da Prata, no entanto, coincidem em sua filosofia. O mate é para buenas (e longas) conversas e para pensar na vida.
Um dos melhores textos sobre o tema encontrei no blog “Más respeto que soy tu madre”, que virou peca de teatro. Escrito por Hernán Casciari, conta – com muito humor – a história de uma família argentina, Los Bertotti.
Em um momento a narradora diz que a erva é a única coisa que não falta nunca na casa de um argentino. “Com inflação, com fome, com militares, com democracia, com as nossas pestes e maldições eternas. Peronistas e radicais cevam mate sem perguntar. Em verão e inverno”.
E que este é o único país do mundo em que a decisão de um menino em virar homem começa em um dia específico. “Aqui começamos a ser grande no dia que temos a necessidade de tomar uns mates sozinhos pela primeira vez. Não é casualidade. Não é porque sim. O dia em que um menino coloca a chaleira no fogo e toma seu primeiro mate só é porque descobriu que tem alma. Ou está morto de medo, ou morto de amor, ou algo: mas não é um dia qualquer”.
Perfeito.
Nota que, por acaso, saiu ontem na BBC Travel: Drinking mate in Buenos Aires
Carta no Noblat, AQUI.
Muito boa tua matéria do mate! é assim mesmo, vira homem ou mocinha aquela pessoa q um dia decide se sentar sozinho, se cebar um mate e repensar na vida. Costumo dizer quando estou numa prainha lá no Brasil e nao levei minha cuia nem a erva: MEU REINO NESTE INSTANTE POR UM MATE!!! pois é um tesouro tomar mate no por do sol de alguma praia brasileira! abraco desde Buenos Aires
Sempre interessantes postagens!
Caraca! Vc pedala muuuito. Queria pedalar assim! Um beijo
Ler tua coluna alimentou minha alma! Hora de fazer um “chima”… Daqui de Seattle, almas gauchas e simpatizantes tambem se abastecem de chimarrao quase todo o dia! Abracos!
Em tempo, Gisele, minha amiga Melissa de Andrade sugeriu que eu comentasse contigo sobre o costume aqui de casa: oferecemos chimarrao a todas as nossas visitas, em seguida eu tiro uma foto e posto no facebook no meu album “Gauchos do Mundo! Gauchos Around the World” e consideramos estas pessoas devidamente batizadas como gauchos! Agora, das pessoas que gostaram da experiencia, eu trouxe de Porto Alegre uma cuia e bomba e assim, eles estao se tornando “gauchos honorarios” (uma goiana, um pernambucano – o Kadu – e uma americana, por enquanto…) Abracos, Magda
Oi Magda, obrigado pela leitura e por tuas palavras. Cuida bem da Mel, que é uma grande amiga. Sei como é morar fora, a gente tem que ficar juntinho para não sentir tanta saudade. E tomar mate, claro. Eu sou de Caçapava do Sul, mas morei muitos anos em Porto Alegre antes de ir para recife, Brasilia e agora Buenos Aires. Um beijo e tudo de bom pra você.
QUÉ BUENÍSIMA DESCRIPCIÓN DE LO QUE ES EL MATE. DE LAS SEMEJANZAS Y LAS DIFERENCIAS EN LA MANERA DE TOMARLO DE LOS
GAÚCHOS Y LOS RIOPLATENSES.
TODO EL ARTÍCULO ES IMPERDIBLE!
Lindo post, gisele. Sou brasileira de origem argentina e tb amo um mate. Após morar em Minas e SP me mudei a POA atraída pela cultura gaucha. Precisei morar dois anos em BSB e agora estou voltando ao Sul (Floripa), como diz aquela linda música “Vuelvo al Sur”, com a maior alegria no coração. Saber que vou poder matear vendo o mar é promissor, não é?
No mais, quero te conhecer em minha próxima ida a Buenos! Amo essa cidade e todos que gostam dela. Parabéns pelo blog, leio sempre que posso. Saludos desde o cerrado, por enquanto!
Hneriqueta, dá um alo quando vc vier a Buenos Aires e boa sorte em Floripa. A cidade é linda mesmo. Um beijo