Cartas de Baires: Na fotografia, estamos, felizes

Abril é um dos meses mais lindos de se viver em Buenos Aires. A cidade tem uma luz de outono, ainda não está fazendo aquele frio danado e a gente pode desfrutar de um dos eventos mais interessantes do calendário cultural argentino: o Bafici.

É um festival de cinema independente que este ano apresenta 449 filmes de 52 países, com 300 diretores convidados. Quase todas as películas são de diretores que a gente nunca ouviu falar.

Não há garantias de satisfação, apenas o convite à pura aventura de encontrar algo que não pensávamos, bem no lugar onde não tínhamos ideia de que isso podia ocorrer.

Foi isso que me aconteceu. Fui ver um filme lá no bairro do Abasto e saí na cidade universitária de Camobi, em Santa Maria da Boca do Monte.

Tudo começou com o documentário Photographic Memory, de um americano chamado Ross McElwee.

A história é a seguinte: um pai, após perder um pouco do contato com o filho logo que ele entra na adolescência, resolve voltar, 35 anos depois, ao interior da França, onde esteve trabalhando como fotógrafo quando era jovem.

Ele viaja na tentativa de lembrar “como era quando tinha 20 anos e a vida inteira pela frente” e, assim, quem sabe, entender o filho e poder retomar algum vínculo com ele. Leva na bagagem fotos e anotações feitas na época. No caminho, encontra pessoas do passado e descobre que a memória que uma pessoa tem de um fato nem sempre coincide com a memória do outro.

O filme é simples e lindo. E me tocou especialmente porque semana passada aconteceu, no Rio Grande do Sul, a primeira reunião da minha turma de faculdade após 22 anos de formados. Infelizmente não pude comparecer, mas a magia do cinema trouxe colegas e professores até aqui.

Saí da sala me perguntando como seria pisar de novo no espaço que me apresentou o mundo?

Foi lá na Faculdade de Comunicação que descobri que existia uma coisa chamada política, li Raduan Nassar pela primeira vez, fiquei fascinada vendo as imagens surgirem no papel fotográfico, passei noitadas escutando Lobão, sofri ressacas de vinho barato, descobri o amor, comecei a escrever. Era toda uma promessa de futuro para uma menina de 16 anos vinda lá de Caçapava do Sul.

Não sei como seria pisar lá de novo. Não fui.

Mas uma das imagens que mais gosto daquela época é esta abaixo, onde todos nós parecemos estar fazendo um exame de amígdalas, com cortes de cabelo horríveis e combinações de roupas que deveriam ser proibidas. Super anos 80!

Estávamos celebrando o resultado de uma feira do livro que organizamos e na qual conseguimos levar à cidade, como homenageado, o grande Caio Fernando Abreu. Ótimo presságio!

Espero que ninguém fique chateado de ver essa foto pública. Foi a minha forma de homenagear a todos, assim, à distancia. De dizer que tenho saudades, que senti muito não poder reencontrá-los e que nunca uma frase do Chico me caiu tão bem num título.

Está justo numa música chamada Anos Dourados.

11 Comments

  • Hilda Rocha disse:

    Invejinha de você aí em Buenos Aires, Gisele. O festival deve ser muito bacana! O cinema tem esse poder de transportar, de fazer a gente mergulhar em tantos universos… Aposto que seus amigos adoraram a foto. Bela homenagem.

    Beijos,
    Hilda

  • Marisa Novaes disse:

    Gisele
    Adorei seu texto e a foto. Acho uma delícia quando vc nos deixa partilhar sua vida, passeando por Buenos Aires, indo a exposições, feiras e festivais de cinema.Muita sorte e momentos felizes para vc e seu querido!
    Marisa

  • Ligia Ghizi disse:

    Que texto comovente, Gisele! Não só por reunir nele, a descrição de BsAs no mês de abril, e que nos leva a imaginar e sonhar com essa paisagem outonal, de clima repousante; assim como também, nos descreve o roteiro de um lindo filme, que parece mesmo maravilhoso; e por fim, nos remete a um passado, que ainda que particular, nos transporta para aqueles que também, todos tivemos, que estava adormecido, mas que evoca e desperta um sentimento bom, o da juventude, de um tempo de promessas, de liberdade, e infinitas possibilidades…de risos e de futuro…de vida por ser descoberta…Adorei! E mais ainda o título; parafraseando Chico, que não poderia ser mais apropriado, e onírico…

  • Ligia Ghizi disse:

    Aaaah…e da divulgação do Festival, claro!

  • Tanira disse:

    Lindo Gisele!
    Adorei: “Foi lá na Faculdade de Comunicação que descobri que existia uma coisa chamada política… fiquei fascinada vendo as imagens surgirem no papel fotográfico… sofri ressacas de vinho barato, descobri o amor, comecei a escrever”.
    Un beso y viva BsAs!
    😉

  • adorei Gisele! Abril é lindo, Buenos Aires é lindo, Santa Maria também! orgulho Facos. beijos! <3

  • A arte leva a lugares não imaginados. Belo depoimento.

  • Rafaela Gómez Rucks disse:

    Querida Gis! tus palabras me conmovieron hasta las lágrimas. GRACIAS. Ambas compartimos esa misma emoción: quedarnos con la duda de qué habría sido “si” hubieramos ido. Esa película se rodó el 7 de abril 2012 en UFSM y nosotras, esta vez, nos quedamos fuera de “escena” aunque tras bambalinas seguíamos de cerca la puesta en obra. Me hubiera encantado re encontrarnos con todos aquellos “chicos de 20 años” que dejamos atrás. Nos vemos en otra película? Saudades… Rafaela Gómez

  • Gerson Amorim disse:

    Oi, Gi, apesar de não fazermos parte da mesma turma diretamente, era teu veterano, vivemos tantas coisas juntos que me sinto tb teu colega. Teu texto além de lindo e muito bem escrito, mostra toda a meiguice e sensibilidade da menina que conheci há mais de 20 anos. O medo do que iria encontrar 20 anos depois, todos sentimos e nos reencontramos com rugas e kgs a mais, mas quando juntos, os mesmos adolescentes, cheios de energia, esperança, planos, como nos velhos tempos. Um beijo grande e te esperamos no próximo encontro!

  • claudia mainardi disse:

    Gi, ter almoçado contigo a dois dias atrás foi mágico. Senti aquela sensação de entrar numa sala de cinema e me transportar. Só que melhor, porque aconteceu de verdade. Podia dar um abraço, ouvir a tua voz, tua risada. Estamos tão diferentes e tão iguais. O papo rola e 20 anos atrás parece ontem. Falamos como amigas íntimas mesmo sem se ver há tanto tempo. Nosso encontro e, agora teu texto, me fez resgatar emoções boas que estavam empoeiradas. Um encantamento com a vida que vai e vem. Foi isso que vi nos teus olhos. E vou querer ver de novo . Até breve.

  • Ângela Felippi disse:

    Gisele
    Tuas palavras são emocionantes. Percebo que o encontro de 7 de abril (dia do Jornalista, por sinal) ainda está acontecendo, seja nessas salas virtuais, seja em encontros paralelos, como o teu com a Claudia Mainardi. O feriado de Páscoa segue repercutindo mesmo para os que não estiveram lá e esse é o espírito. Tu e a Rafaela estavam em nossos corações naquele dia. Pensei muito sobre a nossa turma antes, durante e depois do almoço em que participei. Saudades de nós aos 20 e felicidade em perceber que não parecemos (ao menos parecemos) tão diferentes em alma daqueles tempos tão ricos de Sta Maria.

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