Cartas de Buenos Aires: Panelaços. E Panelaços.

Foto emblemática do panelaço de 2008

Alguns bairros elegantes de Buenos Aires tiveram seu sossego quebrado pelo ruído de panelas e frigideiras batendo a todo vapor, e buzinas tocando sem parar, na última quinta-feira à noite.

Fiquei sabendo da zoada pelo Facebook, já que no meu bairro, que fica no Sul da cidade e é de classe média baixa, reinava a maior paz e silencio.

A confusão foi concentrada em bairros como Recoleta, Belgrano, parte de Caballito e Lãs Cañitas, zonas de maior poder aquisitivo.

Está claro que o detonador do protesto foi a barreira para comprar dólares, a obsessão argentina, especialmente em tempos de inflação, embora a chamada oficial fosse contra “ a insegurança, a violência verbal, o autoritarismo, a inflação e o aumento dos impostos ao campo”.

Mas há panelaços. E panelaços.

Nascidos no Chile de Salvador Allende, os panelaços da direita anunciaram o sangrento golpe militar.

Em 2001, em Buenos Aires, mudaram bruscamente o signo ideológico e serviram para expressar um momento de confluência, de argentinos fartos com o governo do presidente Fernando de La Rua.  “Piquete y cacerola, la lucha es uma sola” era o grito de guerra. A pior crise da história argentina havia logrado o impossível: unir os desempregados de classe baixa, tradicionalmente representados pelo peronismo, com a classe média.

As panelas saíram às ruas novamente em julho de 2008, outra vez nas mãos da classe média, solidária com os donos do “campo” e contra a resolução que impunha retenções moveis às exportações de grãos. A medida foi derrotada no Congresso e a manifestação, desta vez, ficou associada somente a um setor mais privilegiado da sociedade.

Uma das fotos mais famosas da época – e que voltou com força na internet semana passada – é a que mostra uma senhora que saiu às ruas para demonstrar sua inconformidade levando a empregada doméstica, de uniforme, para golpear a panela, enquanto ela agarrava firme a carteira.

Foto que deu o que falar no panelaço de agora

Fotos deste tipo também circularam agora. Manifestantes chiquérrimos com seus cafés Starbucks, ou fumando charutos, por exemplo, protestando por não poder comprar dólares…sem passar pela Receita Federal!

A guerra em Facebook e Twitter foi feroz. Gente a favor e gente contra, os dois lados se dizendo barbaridades, mostrando o que quem está aqui já sabe, o maniqueísmo e o fervor com que se dividem os campos da sociedade quando se trata de governos e oposição.

Por enquanto, os indignados da Argentina querem apenas comprar verdinhas e fazer barulho. O que espero é que o movimento fique nisso e não tenha, nunca, nada que ver com os da Grécia e Espanha, que são por pão, casa e trabalho.

Panelaço das maiorias, isso sim é motivo de preocupação.

Coluna no NOBLAT, aqui.

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