Cartas de Baires: Tristeza de um doble A (II)

 

Foto Gisele Teixeira (Bandoneonista Ciudad Baigón)

A Argentina celebra o Dia do Bandoneon, amanhã (11), com uma notícia triste: o roubo de instrumentos não para de crescer.

A vítima mais recente foi o músico Nestor Marconi, um dos mais importantes do país e diretor da Orquestra de Tango da Cidade de Buenos Aires, que teve a casa assaltada no final de junho e perdeu dois de seus quatro “foles” preferidos.

Ambos tinham sido feitos na fábrica alemã de Alfred Arnold, produtora dos famosos Doble A (os Stradivarius do tango), que deixaram de ser fabricados em 1949 e por isso são tão cobiçados e valiosos.

Outro músico, Norberto Vogel, também teve seus quatro instrumentos roubados em novembro de 2011. Ele recebeu um chamado de uma pessoa pedindo aulas de bandoneon e não desconfiou de nada. No final da classe o tipo o ameaçou com uma arma, o amordaçou e levou um DobleAA negro, um Doble AA nacarado, um Premier nacarado e um Germânia art deco marrom.

O problema da escassez de bandoneons não é novo. Mas os roubos, sim, são uma novidade.

Estima-se que existam apenas 60 mil bandoneons em todo o mundo, sendo que apenas 20 mil devem estar na Argentina e somente uns dois mil em condições de uso. É uma espécie em extinção.

Há novas fábricas na Europa, mas com instrumentos que produzem sons diferentes, e que chegam a custar mais de sete mil euros, uma quantia exorbitante para um portenho. Não há fábricas nacionais.

Diversas peças foram vendidas para europeus e japoneses, inicialmente nas décadas de 1970 e1980, quando o tango estava em baixa na Argentina. E mais recentemente após a crise de 2001.

Já os roubos especula-se que aumentaram após a sanção da lei de proteção e promoção do bandoneon pelo Congresso argentino, em 2009. O texto proibia a saída do território nacional de todos os instrumentos de mais de 40 anos, exceto aqueles levados por seus próprios donos em apresentações artísticas.

Criava, ainda, um cadastro para facilitar sua identificação em caso de venda, roubo e extravio, e dava prioridade de compra ao governo quando houver interesse de comercialização.

A lei não “pegou”, não sei por quê. Mas alertou muita gente sobre o valor dos instrumentos, que podem chegar a mais de US$ 6 mil.

Após cada roubo, os profissionais difundem fotos e modelos dos bandoneóns perdidos nas redes sociais, bem como seus números de série. Mas estes, por estarem gravados na madeira, podem muito facilmente serem apagados. Uma pena. Provavelmente os instrumentos nunca serão encontrados.

Fica uma tristeza, só diminuída pela audição de uma das minhas novas descobertas: Dino Saluzzi, um bandoneonista com forte influencia jazzística, que compartilho com vocês.

Deixo vocês com um ótimo documentário sobre a história do bandoneón na Argentina.

Tristeza de um Doble A (I).

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