Cartas de Baires: Gracias totales

Foram 172 colunas durante três anos e meio, abordando os mais diversos temas. Política, gastronomia, cinema, humor, tango, direitos humanos, ditadura militar, Malvinas, literatura. E até uma categoria que batizei de paixões portenhas, para incluir tópicos como os ônibus de Buenos Aires, o fileteado e a mania de contar contos.

Escrever todas as semanas, sem praticamente nenhum vácuo, foi uma experiência riquíssima. Um aprendizado escutar as opiniões divergentes dos leitores, que não foram poucas, além de um exercício de disciplina, tolerância e bom humor!

Somente agora, na minha despedida, me dou conta do quanto faltou.

Nenhuma coluna específica sobre Juan Jose Saer ou Piglia. Que absurdo! Nenhuma coluna sobre as empanadas e os assados, sobre a mania – estranhíssima – de colocar uma garrafa nos capôs dos carros que estão em venda, sobre os motéis, sobre o pânico dos argentinos de fazerem reservas em hotéis sem bidet nos banheiros! Nada sobre o pomelo ou o “tomate perita”.

É que para o estrangeiro não faltam temas: por mais que vivamos anos em outro país, sempre será um lugar desconhecido e isso nos convida a olhar distinto, a olhar mais e a olhar melhor. O desejo de colocar em palavras o que vemos é forte, mas às vezes a quantidade de material observável nos abruma. É preciso uma vida para contar a vida “lejos” de casa.

Quando mudei para cá em 2008 era inicialmente para satisfazer um capricho pré-crise dos 40 anos: um ano sabático para estudar espanhol e tango. Nunca imaginei a revolução que se aproximava. Não sabia que era “para sempre”.

Diferente das minhas companheiras de coluna, não estou voltando para o Brasil – embora todos os dias sinta falta do meu queijo minas frescal, de correr no parque em Brasília, de ver a praia do Recife, do churrasco do pai.

Sinto que cumpri um ciclo e preciso estar com a cabeça mais livre para tocar projetos pessoais.

Estou na metade do meu curso de professorado de tango, com monografia para terminar, um estágio no Hospital de Clínicas com pacientes com Parkinson e escrevendo um livro. A cabeça fervilhando de idéias. E essa é parte boa de quando a gente vira a ampulheta. O que interessa são os desejos, o que nos faz feliz. Não há ridículo.

Não quero dedicar à coluna menos tempo do que ela merece, ou do que dediquei até agora. Por isso, me despeço. E agradeço.

 

Texto no Noblat, AQUI.

9 Comments

  • nina disse:

    Gracias, un abrazo fuerte

  • Tom Saboia disse:

    Cara Gisele,
    Primeiro obrigado por teus blogs tão legais sobre essa cidade tão surpreendente e um povo vizinho porém tão diferente de “nosotros” em suas múltiplas facetas.
    Sou do teu blog um “seguidor” recente e das 172, poucas li.
    Boa sorte nos teus projetos de vida!
    Uma derradeira pergunta: Vc pretende deixar teu blog “vivo” para seguidores tardios como eu poderem ler os posts existentes??

    Abs.

    • Gisele Teixeira disse:

      Tom, todos os posts do outro blog já migraram para este. Quer dizer, os dois estao iguaizinhos! Mas se vc prefere buscar os antigos lá, nao tem problema. Vai ficar vivo e disponível. Um abraco. Gisele

  • Daya Estevam disse:

    não acredito que você está terminando o blog no dia que eu o acessei pela 1ª vez!
    O engraçado é que eu, que já tenho um blog um pouco abandonado, pensei em fazer exatamente o que você faz, agora que mudei pra BsAs. Então vou lê-lo e quem sabe isso tudo me inspire a começar o meu próprio, com outras anotações, outra visão e muitas histórias a contar.
    Te desejo boa sorte no seus projetos presentes e futuros.
    Hasta luego, suerte!

    • Gisele Teixeira disse:

      Daya, eu nao vou deixar o blog! Estou só deixando a minha coluna semanal no Brasil. Pode continuar lendo as histórias de Buenos aires aqui! Um beijo

  • MARTHA disse:

    ME HACE MUCHA GRACIA, LA GRACIA QUE LES HACE A LOS BRASILEÑOS LA COSTUMBRE”EXTRANÍSIMA” DE PONER UN ENVASE
    SOBRE EL TECHO DE LOS LOS AUTOS QUE LOS DUEÑOS QUIEREN VENDER. Y LO DE LOS TOMATES PERITA, JA,JA!!

    tUS NOTICIAS Y COMENTARIOS, SIEMPRE INTERESANTES O DIVERTIDOS, ME RESULTAN INDISPENSABLES.SI ALGÚN DÍA NO
    MIRO LA PC, ME PREGUNTO:¿ QUÉ HABRÁ ESCRITO HOY GISELE? ES UNA ADICCIÓN

  • Jane disse:

    Gisele, acompanho seu blog, suas histórias e sua história (elas se confundem). Sou paulistana da clara- parece que a gema ficou reservada aos cariocas – amo B.Aires desde a infância, no Hotel San Martin com o pai, a caminho de esquiar em Bariloche e muitas, muitas vezes depois disso. Adoro o lunfardo, a arrogância portenha, a tangaria vieja, e o moderno, o descolado, o sagrado, o sur. Como detesto voar, vou muito menos do que deveria. Planejo em breve jogar-me pra passar 6 meses morando por aí, recontenta. Enquanto isso, na sala de injustiça, acompanho via blog e no Face. É sempre um olhar sobre o que se ama. Quem sabe serás mi maestra de tango. Suerte!
    Jane

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