Tango e jazz, inseparáveis

tango e jazz

 

Tango e jazz, duas das expressões mais originais da música popular do século XX, nasceram quase ao mesmo tempo nas margens de dois imensos rios da América – o rio Mississipi, em Nova Orleans, e o Rio da Prata, que banha Buenos Aires e Montevidéu. Sempre “namoraram”, e muito antes da fúria Piazzolla, já se influenciavam.

Um dos registros mais memoráveis – e antigos – desses dois gêneros é o disco “Rendez Vous Porteño”, gravado por Osvaldo Fresedo com Dizzy Gillespie em Buenos Aires (aqui, todos os temas do álbum), em 1956.

Dizzy Gillespie tinha vindo a Buenos Aires para se apresentar com sua Big Band no teatro Casino, que hoje não existe mais. Como durante o dia o espaço funcionava como cinema, durante o dia Gillespie e seus músicos ensaiavam na rádio El Mundo, e depois saíam todos pela cidade e a comer uns “assados”. Obviamente que conheceram outros artistas. Um dia, na boate Rendez Vous, o norte-americano se apaixonou pelo piano Fresedo. Os dois combinaram de tocar juntos no dia seguinte e, dizem, Gillespie teria aparecido vestido de gaúcho e a cavalo!

Nesta reunião, tocaram quatro tangos: “Vida mía”, “Capricho de amor”, “Preludio número 3” e “Adiós muchachos”. As gravações foram editadas em mil copias de 78 r.p.m., que se esgotaram de imediato. Em 1998,  o material foi resgatado da coleção tangueira de Oscar del Priore e reeditado.

Abaixo, fragmento do programa “Jazz en Negro y Blanco”, no qual se escuta a orquestra de Osvaldo Fresedo com o trompete de Dizzy Gillespie na boate “Rendez Vous”, interpretando o tema “Capricho de Amor”, de Roberto Perez Prechi. Programa emitido el 12/9/1999 por FM Latinoamericana 97.1

 

Outro clássico são as versões de Louis Armstrong para “El Choclo”, de Angel Villoldo, com o nome de Kiss of fire (beijo de fogo) e “Adiós Muchachos”, de Julio César Sanders, no fim da década de 1950.

No caso de El Choclo, o tango foi apresentado inicialmente como sendo uma composição com letra e música de Lester Alien e Robert Hill, mas a similitude melódica não deixa dúvidas. Mais tarde, Alien e Hill agregaram os nomes de Villoldo, Marambio Catán e Discépolo.

Beso tus labios y, al besarlos, centellean / y una vez más a tus caricias hoy me entrego / Ante el peligro de tu llama que me invade / he de rendirme a tu fatal beso de fuego”, narra a letra de “Kiss of fire”.

Juan Carlos Cobián também teve uma pegada jazzística e, para muitos, estava à altura de Cole Porter e George Gershwin. Era um compositor de Buenos Aires, mas foi muito influenciado por músicos americanos após sua passagem por Nova Iorque nos anos de 1930. Talvez vocês não o conheçam de nome, mas certamente conhecem sua obra, que inclui vários tangos hoje clássicos, especialmente os feitos em parceria com Enrique Cadícamo. Entre eles, Nostalgias, Los mareados e Nieblas del Riachuelo, três dos 11 “tangazos” que eles compuseram juntos. Abaixo, uma interpretação de Pablo Navarro.

Tango e jazz – Piazzolla

Enfim chegamos a “ele”. Não dá para falar de tango e jazz sem mencionar Astor Piazzolla e, especialmente o clássico álbum Summit – Reunión Cumbre, de 1974, gravado peo argentino em parceria com o saxofonista Gerry Mulligan e o vibrafonista Gary Burton. Um encontro fundamental para a história da música contemporânea.

Os dois tinham se cruzado pela primeira vez em 1955, quando Piazzolla viu uma atuação de Gerry Mulligan com sua banda, em Paris. Na época, ficou muito impressionado com o uso da guitarra elétrica, que viria a adotar mais tarde. Mas o encontro mesmo foi quase 20 anos depois, em 1974, quando se reuniram em Milão para criar esta obra genial. “Summit”, mais tarde batizada de “Reunión cumbre”, em espanhol, traz sete composições de Piazzolla e uma de Mulligan, nas quais o rigor técnico do argentino choca com o espírito improvisador e bebum do norte-americano. Ao terminar o disco, Piazzolla teria dito: “Con este borracho, no grabo nunca más…”.

Para quem quiser escutar algo contemporâneo, a sugestão e o disco Jazz Tango, de Pablo Ziegler, ex-pianista de Astor Piazzolla, que ganhou em 2018 o prêmio Grammy de melhor álbum de jazz.

Outra dica bem atual é a Bernardo Monk Orquesta Tipica. 

 

Leia todos os posts sobre Astor Piazzolla no blog 

Juan Carlos Cobián – o tango de smoking 

 

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