Bebeto Alves, a cuscada já late por Buenos Aires!

bebeto alves mandando lenha

Coisas desses fronteiros que, iguais a nós,
têm o sul por vida, e passam uma eternidade
matando a saudade numa coxilha

BEBETO1página

Desde ontem que eu não paro de escutar o Mandando Lenha, disco que o Bebeto Alves vem cantar para a gente neste inverno portenho. O CD foi lançado há 18 anos e, pasmem, só será apresentado pela primeira vez ao vivo, e (quase) na íntegra, agora, aqui em Buenos Aires.  Que sorte a nossa!

Bebeto chega acompanhado pelos músicos Clóvis Freire e Marcello Caminha e fará o show numa sala espetacular – La Ballena Azul, do recém inaugurado Centro Cultural Néstor Kirchner, dia 28 de junho. Acústica impecável, tudo tinindo de novo.

A entrada é grátis, mas tem que chegar uma hora antes para garantir o ingresso!

Depois o show será apresentado em Santa Maria, dia 13 de agosto (quinta-feira), no Centro de Eventos do Itaimbé.

O cantor gaúcho vai dividir a noite com o La Chicana, um dos grupos mais consagrados da Argentina e que também vai receber matéria exclusiva aqui no blog esta semana.

O show faz parte do ciclo Diálogos –  responsável por trazer ainda Luis Carlos Borges, dia 26, e Cida Moreira (dia 27). Baita fim de semana. O projeto propõe a integração entre artistas argentinos e atrações internacionais, que compartilham estéticas e estilos. LEIA MAIS AQUI. 

Bate-papo com Bebeto Alves

Como vinho, e como Gardel, as canções do compositor Mauro Moraes – e a interpretação do Bebeto – estão melhores com o tempo. Escuto o disco mateando, num dia frio de inverno com solzinho, daqueles de comer bergamota no sol. O Pampa entra pela janela, eu vou “lá fora”, me emociono aos poucos. Mastiguei a fala, negaceei a mágoa. Só pra ver a lágrima feliz.

O álbum faz parte de uma trilogia entre os dois gaúchos, que inclui ainda o “Milongeando Uns Troços”, de 1995, e o “Milongamento” (1999). Em meia década, a dupla fez 34 canções.

Aproveitei o domingão e fiz uma entrevista pocket com Bebeto por Skipe, a quem agradeço pelo bate-papo num dia de descanso.

1. Bebeto, porque esse disco nunca “virou” show?

Na verdade, durante muito tempo eu não me senti apropriado deste trabalho, e até resisti muito em fazê-lo, naquela época. Era como se eu só tivesse emprestado a minha voz para  Mauro Moraes, que então não cantava, já que todas as canções eram dele, de autoria dele. Ele é o unico compositor desse trabalho do qual me tornei um interprete. Tínhamos feito o Milongueando Uns Troços, que eu dividia com o José Cláudio Machado, mas não tinha intenção de fazer uma trilogia – como acabou acontecendo. Quando o disco saiu, eu me encantei. Mas o show nunca rolou. De forma que essa é uma apresentação histórica, “tardia”, com 18 anos de atraso.

2. Como surgiu a ideia deste espetáculo justo agora?

Foi uma epifania. Eu estava trabalhando no computador e minha mulher colocou o disco, que há muito eu não escutava. E me encantei de novo! Publiquei isso no Facebook, e muita gente comentou. E a coisa foi indo, até chegar ao Carlos Villalba, curador do Centro Cultural Kirchner, que além de tudo é fã do CD, produtor e agitador cultural portenho, e amigo de longa data. Ele me convidou para dividir o palco com o Acho Estol e a Dolores Solá, do La Chicana, artistas de uma nova cena musical argentina. Vamos tocar e cantar juntos algumas canções. Dolores participou recentemente do disco e do show Samboleria, do amigo Antonio Villeroy, e vai ser uma honra reencontrá-los no palco. 

3. Como será o show?

Vou estar acompanhado do baixista e parceiro de longa data Clóvis Boca Freire, e de Marcello Caminha, grande guitarrista da nossa música regional, responsável pela sonoridade dos violões do terceiro disco da trilogia – Milongamento. Não vou cantar todo o Mandando, e sim 10 músicas (são 14 no total). Depois, tocamos juntos com La Chicana duas canções do meu disco mais recente. A primeira é Milonga Orientao, que tem uma versão em espanhol feita por Walter Bordoni, e Canção da Esperança, em parceria com Reinaldo Árias (que também compôs com Cazuza). A ideia é que essa música possa ser cantada em vários idiomas, pela mensagem bacana que leva. Tentei fazer uma versão em espanhol, mas saiu bem portunhol.  Mandei para La Chicana pra que eles a “arrumassem.” O resultado a gente vai ver agora.

Para os amigos argentinos, segue  Milonga Orientao, de Bebeto e Humberto Gessinger, na versão de Walter Bordoni.

4. Porque tanto tempo sem vir a Buenos Aires? Você não toca aqui desde o Porto Alegre Canta Tango, em 2000?

Não lembro a última vez que estive em Buenos Aires, mas faz tempo. Creio que no passado tivemos mais políticas culturais de incentivo a esse intercâmbio cultural de mão tripla – Brasil, Uruguai e Argentina. O problema é que quando os incentivos foram reduzidos, esse intercâmbio não se consolidou fora das instituições. Há artistas que sempre trabalharam pessoalmente nesse sentido, como Raul Elwanger, por exemplo, mas é uma exceção e não regra geral. É um pena, porque temos muito em comum, especialmente a “pátria pampeana” e esse personagem mítico que é o gaúcho.

5. Você vê diferenças entre a milonga do sul do Brasil e da Argentina?

A Argentina tem uma milonga que é extremamente dançante e deu origem ao tango. Mas também tem um outro estilo de milonga, representada, por exemplo, por Atahualpa Yupanqui, que conversa muitíssimo com a nossa e é mais pampeana, mais reflexiva. A música que a gente está levando vai por esta linha. É uma música de fronteira. Na verdade, uma grande metáfora, porque embora o nosso campesino fale de temas rurais, também fala dos deslocamentos do mundo, da perspectiva de convivência com outras culturas. Toda essa história da milonga está no documentário Mais uma Canção (direção de Rene Goya Filho e Alexandre Derlam). A gente caiu na estrada para destacar a universalidade da milonga. Saímos de Uruguaiana e passamos pelo norte da África e pela Península Ibérica, conversando com músicos de diferentes países para mostrar como a influência moura sobre Portugal e Espanha cruzou o Atlântico para se amalgamar sob diferentes formas na cultura latino-americana. É uma ponte na qual transitam juntos cantores e guitarristas espanhóis, fadistas portugueses e baguais que se reúnem ao redor do fogo de chão na região do Prata.

TRAILER MAIS UMA CANÇÃO from Estação Filmes on Vimeo.

Bebeto é um dos mentores do ótimo Porto Alegre Canta Tangos, que anda sempre na vitrola aqui de casa. Se vocês ainda não conhecem esse disco, corram para escutá-lo!

 

Deixo vocês com um vídeo que roubei do blog do Márcio Grings, do ensaio do show.

E uma das versões originais, lá do baú, com a delicadeza das cordas de Lúcio Yanel.

 

 

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