A experiência sensorial de “La Menesunda”

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Instalação original, década de 1960. Foto de divulgação

 

Imagine você ir visitar uma mostra de arte e dar de cara com um casal numa cama, ou precisar descobrir a senha secreta para sair de um sala minúscula, ou ter que passar por uma geladeira com temperatura abaixo de zero, ou ainda entrar dentro de uma cabeça de mulher!

Imagine isso na década de 1960!

Em 1965, centenas de portenhos se acotovelaram na calle Florida, em filas gigantes que duravam horas, para ver a obra mítica que Marta Minujín e Rubén Santantonín construíram dentro Instituto Torcuato Di Tella.

Dezenas de portenhos esperam novamente – e pacientemente – hoje para ver a reconstrução fiel da obra, no Museu de Arte Moderna de Buenos Aires (Mamba), em San Telmo.

Eu inclusive! E tenho para dizer que vale a pena esperar.

Reconstrução, 2015. Foto Gisele Teixeira

Primeiro, vamos ao título: “Menesunda” é uma palavra em lunfardo que significa mescla, confusão. Foi escolhido na época porque tinha tudo a ver com as sensações que a artista queria provocar no público com sua estrutura labiríntica.

No total, são 11 espaços coberto com diferentes materiais e pensados para gerar diversos estímulos sensoriais – uma proposta pouco comum e de ruptura em relação às linguagens visuais então vigentes. Foi não somente o escândalo do ano, como também um dos grandes marcos da história da arte argentina.

Os criadores da obra – que foi realizada com a colaboração de Pablo Suárez, David Lamelas, Rodolfo Prayón, Floreal Amor e Leopoldo Maler, La Menesunda – diziam que ela não era um happening,e muito menos um espetáculo. Era pura experiência e provocação.

Cinquenta anos depois, a reconstrução também desperta reflexões e sensações, só que num contexto contemporâneo. Especialmente porque recupera uma forma de perceber com todos os nossos sentidos, o que a gente vem perdendo com tanto predomínio do visual e do virtual.

Vá, curta, brinque, sinta.

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Marta Minujín na sala original do neons

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Neons, versão 2015

IMPORTANTE: É preciso paciência, isso sim, para visitá-la. É uma das mostras mais concorridas em Buenos Aires atualmente e só oito pessoas entram por vez na instalação.  É contra-indicada para pessoas com problemas cardíacos, claustrofóbicas ou com mobilidade reduzida. E proibida para menores de 16 anos. Aconselho que vocês cheguem cedo, peguem a senha, e saiam para dar um passeio. Mas voltem pelo menos meia hora antes do horário indicado para entrar na fila!

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Selfie na sala dos espelhos

Entre os espaços que mais gostei estão:

– Dormitório – Todos os elementos desta sala — cama, ventilador, decoração das paredes, cobertor, jornais — são de época, comprados pela internet e nos mercados de pulgas de Buenos Aires. Os atores participaram de um casting entre mais de 1000 candidatos. Oito atores se revezam em turnos de quatro horas! EEu já tinha vista esta parte, numa retrospectiva da artista no Malba, mas sempre acho superinteressante. Fiquei com vontade de pedir para deitar com eles, mas tive vergonha.

Cabeça de mulher – Bueno, uma cabeça de mulher da década de 60, obviamente! Totalmente cor de rosa, coberta com produtos de maquiagem e esponjas. Uma maquiadora e uma massagista interagem com o público. Tudo ao som de bolero! Adorei!

– Telefone – Você só sai deste espaço quando digita o número correto (e secreto). Uma operadora repete a hora em tempo real. Não é para claustrofóbicos.

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Na cabeça de mulher

Quem é Marta Minujín

Para quem não a conhece, Minujín é uma figurinha carimbada da arte argentina, famosa por fazer uns happenings muito surreais e bizarros.

Entre eles, realizou o Partenón de Libros, uma estrutura tubular de ferro do mesmo tamanho que o Partenón de Atenas, recoberta por milhares de livros proibidos durante a ditadura militar. O Partenón foi aberto e compartilhado com o público durante a noite de Natal de 1983, o primeiro ano do país novamente em democracia.

O ato mais chocante para mim, no entanto, foi Visual Event, um happening feito no estádio do Peñarol, em Montevidéu, em 1965. Influenciada pelo filme 8 ½ de Federico Fellini, Minujín reuniu, em um estádio lotado, um grupo de 20 motociclistas, 20 mulheres gordas, 20 fisioculturistas, 20 casais de namorados e 20 prostitutas.

O resultado? As prostitutas saíram beijando todos os homens que estavam no estádio, enquanto os fisiculturistas levantavam as gordas, os namorados se grudavam com fita adesiva, os motociclistas giravam ao redor de tudo. Do alto, num helicóptero, ela entrava em cena colocando no piso 500 galinhas vivas, 500 alfaces e 500 quilos de farinha.

Assim é a moça.

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