Quinta-feira a Argentina lembra os 40 anos do início do golpe mais sangrento do país, que deixou 30 mil desaparecidos. Mas este será um aniversário diferente.
Por um lado, há duas importantes notícias.
A primeira delas é o anúncio que será feito pelo presidente norte-americano Barack Obama, em visita a partir de hoje a Buenos Aires: a abertura definitiva dos arquivos militares e de inteligência sobre aqueles anos terríveis (1976-1983). Não é pouca coisa.
Para muitos historiadores, isso será essencial para entender não somente o papel de apoio dos Estados Unidos à ditadura argentina (e a todas as outras na América Latina) mas também como foi elaborado o plano de exterminação de uma geração inteira, além do roubo sistemáticos dos bebês das mulheres que davam à luz nas prisões.
Outra noticia positiva vem do Vaticano. O papa Francisco o anunciou esta semana que vai retirar o sigilo de documentos da ditadura argentina. A participação da Igreja argentina, cuja hierarquia apoiou os militares, também é muito polêmica.
A abertura de ambos arquivos é especialmente simbólica e relevante.
Por outro lado, é raríssima a visita de Obama nesta data. E vou usar as palavras de Luis Bruschtein, hoje, no Página 12.
No vino durante los gobiernos kirchneristas y viene apenas asume Mauricio Macri, que es amigo de Donald Trump y no de Obama ni de Hillary Clinton. Es una forma de decir que no opta entre gobiernos reaccionarios o progresistas, de izquierda o derecha, sino entre amigos o no de los Estados Unidos. Desde ese lugar se alinea con el establishment norteamericano y muestra los límites de su política, como si la mala imagen que tienen los Estados Unidos en América Latina fuera obra de una campaña marxista-populista y no de sus prácticas históricas intervencionistas en lo político y depredadoras en lo económico.
Por outro lado, há uma preocupação sobre a continuidade das políticas de memória e dos programas estatais ligados às causas da ditadura. Esta manifestação de lembrança dos 40 anos do golpe é a primeira depois do fim de um governo que marcou uma etapa muito importante do Estado com o passado, com o fim das leis de imunidade, início dos julgamentos, recuperação de centros de tortura como espaços de memória, visibilização dos atores civis – como empresários – na planificação do regime. Não queremos retroceder.
Se você estiver em Buenos Aires, bloqueie a agenda na quinta-feira e vá à Plaza de Mayo celebrar o Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça.
Presente! Presente! Presente!
Dois lugares para conhecer em Buenos Aires:
Parque de La Memoria
Inaugurado em 2007, o Parque dela Memória é um espaço público de 14 hectares, localizado na Costanera Norte, bem pertinho da Cidade Universitária e à beira do Rio da Prata, onde muitos corpos foram jogados durante a última ditadura militar na Argentina, entre 1976-1983.
Logo que a gente chega, impressiona um muro gigante que abriga 30 mil placas, sendo que 9 mil delas contêm nomes de pessoas desaparecidas, reunidas pelo ano em que foram sequestradas e em ordem alfabética. Outra informação é a idade que tinham na época e, no caso das mulheres, se estavam grávidas ou não.
Esta lista se complementa com um arquivo digital que, a pedido, pode ser consultado por familiares, estudantes, investigadores e público em geral, e que contém fotos, desenhos e objetos pessoais de cada um deles.
Há ainda um espaço de arte, chamado Sala Pays (Presentes, Ahora y Siempre), que abriga exposições, conferências e debates sobre o tema. Neste lugar funciona o Centro de Informação, uma biblioteca, um arquivo de imprensa e oficinas educativas. E diversas esculturas espalhadas pelo parque.
Leia mais sobre o Parque de la Memoria.
Espaço Memória e Direitos Humanos – Ex-Esma
Se vocês tiverem a chance, façam a visita guiada ao Museu da Memória, onde entre 1976 e 1983 funcionou o Centro Clandestino de Detenção da Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA). A visita dura mais de três horas e é uma viagem imaginária ao se viveu nesse local durante a ditadura militar argentina. Um dos lugares mais pesados é o Casino de Oficiales, o alojamento dos oficiais, principal centro de tortura. Para vocês terem uma idéia, passaram pelo local cerca de 5 mil pessoas. Apenas 200 sobreviveram. Leia mais sobre a ex-Esma.
Textos do Aquí me Quedo
sobre a ditadura militar argentina
A Justiça que repara e cria novos marcos jurídicos
A história dos “padres” de la Plaza de Mayo
Rodolfo Walsh, leitura obrigatória
Zuzu Angel, moda e ditadura no Brasil