Rodolfo Walsh, leitura obrigatória

Carteira de jornalista profissional de Rodolfo Walsh

 

Rodolfo Walsh foi sequestrado em 25 de março de 1977, aqui pertinho de casa, na esquina de San Juan e Entre Ríos, no mesmo dia em que distribuiu aos jornais e agências de notícias sua famosa Carta Aberta à Junta Militar, na qual denunciava as atrocidades da ditadura argentina em seu primeiro ano, quando Jorge Videla estava no poder. Seu corpo permanece desaparecido.

O texto é absolutamente corajoso e impressiona mesmo após tantos anos (leia aqui a versão em português).

Este mês, aos 40 anos de seu assassinato, a Argentina rende homenagens a ele. Para quem está em Buenos Aires, a pedida é visitar a mostra temporária De Operación Masacre a la Carta Abierta”, em sua homenagem, e a instalação Walsh en la ESMA”, uma exibição de três filmes baseados em testemunhas de sobreviventes da Escuela Superior de Mecánica da Armada, então o maior centro de tortura da Argentina. Atualmente o espaço é um lugar de memória, na Av. del Libertador 8151.

Quem foi Rodolfo Walsh

Rodolfo Walsh foi jornalista, escritor, militante. Nasceu em 9 de janeiro de 1927, em Lamarque, na província de Rio Negro.

Como escritor, suas principais obras são os romances-reportagem Operación massacre (1957), Caso Satanowsky (1958) e ¿Quién mató a Rosendo? (1969), que o qualificam como precursor e expoente do new journalism, e os volumes de contos Los oficios terrestres (1965), Un kilo de oro (1967) e Un oscuro día de justicia (1973), nos quais a violenta beleza de sua prosa atinge seu ponto máximo. Deixou ainda uma série de contos policiais e duas peças de teatro, La granada e La batalla (ambas de 1965). Postumamente, parte de sua vasta produção jornalística foi reunida no volume El violento oficio de escribir (1995).

Walsh é também lembrado por sua vigorosa entrega à militância política, que marcou seus últimos dez anos de vida, quando aderiu à esquerda revolucionária peronista, chegando à liderança do movimento Montoneros.

Para várias gerações de intelectuais, sua contundente “Carta aberta à Junta Militar”, em que denunciou os crimes da ditadura instaurada em 1976, tornou-se um modelo de resistência aos regimes autoritários e de fé na força da palavra contra os desmandos do poder.

 

Carta aberta à Junta Militar

Nesta carta, Walsh acusava o governo de banir os partidos políticos, amordaçar a imprensa, perseguir e aprisionar milhares de pessoas, torturar militantes e criar campos clandestinos para executar advogados, juízes, jornalistas e analistas internacionais.

“A censura da imprensa, a perseguição a intelectuais, a invasão de minha casa, o assassinato de amigos queridos e a perda de uma filha que morreu combatendo-os são alguns dos fatos que me obrigam a esta forma de expressão clandestina, depois de ter opinado livremente como escritor e jornalista durante trinta anos. O primeiro aniversário desta Junta Militar motivou um balanço da ação do governo em documentos e discursos oficiais, onde o que os senhores chamam acertos são erros, o que reconhecem como erros são crimes e o que omitem são calamidades“.

Apresentava também um panorama do que os generais estavam fazendo com a economia argentina, cuja inflação chegava a 400% por ano.

O documento foi enviado pelo correio a alguns jornais. Ninguém o publicou. No mesmo dia foi sequestrado  e, dizem, morto no dia seguinte, mas ninguém sabe. Seu corpo nunca foi encontrado.

A famosa Carta Aberta à Junta Militar não é um texto panfletário e sim uma aula de jornalismo, que deveria ser de leitura obrigatória nas faculdades de comunicação. Um exemplo de um tempo em que ser jornalista era, de fato, “dar testemunho nos momentos difíceis”, como ele mesmo afirma no final do texto.

No Brasil, dois de seus livros foram traduzidos para o português em 2010. Operação Massacre, pela Companhia das Letras, e Essa Mulher e Outros Contos, pela Editora 34. Ambos saíram como parte do Programa Sur de Apoio à Tradução, do governo argentino.

O primeiro, sua obra mais conhecida, lançada em 1957, tem sido classificado como uma peça literária de não-ficção, precursor da novela considerada pioneira no campo do new journalism, A Sangue Frio (1966), de Truman Capote.

Conta a história de um assombroso fuzilamento de civis na madrugada de 9 de junho de 1956. Na época, a Argentina estava sob o comando do general Pedro Eugenio Aramburu, que tomara o posto de Juan Domingo Perón no ano anterior. Teriam sido 12 os mortos.

No final do mesmo ano, Walsh estava jogando xadrez em um café na cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires, quando um dos habitués disparou a seguinte informação: “há um fuzilado que está vivo”.

A partir daí Walsh abandonou sua casa e seu trabalho por um ano, arranjou um nome falso e foi investigar o caso. Descobriu não apenas um sobrevivente, mas sete!

Os detalhes da reportagem foram publicados no jornal “Mayoría”. Na sequência, as matérias foram compiladas em formato de novela sob título de “Operação Massacre”

O segundo livro publicado no Brasil, Essa Mulher, reúne a totalidade dos seus chamados “contos literários”, comprovando que além de um corajoso jornalista Walsh também foi um dos grandes nomes da literatura argentina.

Deixo vocês com o conto que dá nome ao livro, na voz do próprio autor.

 

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1 Comment

  • Novaes disse:

    Prezada Gisele:

    Morro de inveja da coragem de nossos irmãos argentinos em fazer triunfar a justiça sobre a ignomínia. Nas declarações de nosso ministro de Segurança Institucional, general José Elito Siqueira, de que “Os desaparecidos são história da nação, de que não temos que nos envergonhar ou nos vangloriar”, e que me encheram de vergonha, fica clara a pusilanimidade que nos impede de fazer nosso ‘Mea Culpa’. Temos sim de nos envergonhar, mas como disse o Janio de Freitas ‘vergonha, quem tem, tem’. Seria o cúmulo da desfaçatez nos vangloriarmos da ignomínia. Essa gente ainda acha que está acima do bem e do mal. É bom ligarmos nosso desconfiômetro, a tortura pode voltar a qualquer momento, aliás, pode voltar não, está instalada, infelizmente,como um câncer remanescente da didatura em nossas prisões e delegacias. Que deus nos ajude!
    Feliz ano novo!

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