Tango na Rússia: um milongueiro na Sibéria

 

Irkutsk fica no centro da Sibéria, a 3 dias e meio de trem de Moscou. É lá que vive meu amigo colombiano Alexandre Dradá Salazar, que chegou à Rússia para trabalhar como professor de tango em 2014. A gente se conheceu em Buenos Aires, onde fomos colegas no professorado de tango no Centro Educativo de Tango de Buenos Aires. Nessa entrevista, ele nos conta dos dois diferentes circuitos de tango na Rússia, de como a dança está associada ao esporte, das dificuldades culturais dos locais ao bailar e de como é viver de tango em pagos tão distantes.

Matéria da série Tango na Rússia.

Tango na rússia Alexandre e Anastasia

Todas as fotos são uma gentileza do Alexandre e da Anastasia

Tango na rússia – um milongueiro na Sibéria

Alexandre, como é o panorama do tango na Rússia? 

O tango tem crescido de forma constante na Rússia nos últimos anos, não é uma moda passageira. Está aqui para ficar. Creio  acho que os russos entenderam os benefícios do abraço fechado e agora não podem mais abandoná-lo. Eu sinto que os milongueiros russos são honestos com o tango, eles realmente amam e dançam com paixão, amor e respeito.

Dá para ter uma ideia de quantas pessoas dançam no país?

Já estive em grandes eventos, e posso dizer que há milhares de pessoas dançando Rússia. De Kamchatka a Kaliningrado você pode encontrar muitas escolas que, aos poucos, vão somando novos alunos, ainda que em pequenas quantidades. Há muta disparidade. Cidades onde os grupos já são enormes e comunidades bem pequenas de tango, mas onde talvez se dance com mais intensidade e paixão.

Tango na rússia Alexandre Drada Salazar

Qual é o nível de baile no país?

Na parte da Rússia que está mais perto da Europa, ou seja, Moscou, São Petersburgo e Crimeia, o nível é mais alto, há mais acesso a eventos e convidados internacionais. Na outra Rússia, entre os Montes Urais e o Oceano Pacífico, organizar eventos ou convidar professores é mais caro, e o nível é mais baixo. Diante dessa situação, nós, os professores da Sibéria, nos organizamos e regularmente promovemos encontros comuns, para compartilhar conhecimentos e compensar o isolamento geográfico. Falando do nível médio de tango na Rússia, eu poderia dizer que é bom, poderia inclusive afirmar que conheço aqui muitos bailarinos e bailarinas que dançam muito melhor do que na Argentina.

Tango na rússia - milonga Alexandre Drada Salazar

Quais são as dificuldades dos russos na hora da aprendizagem?

No meu período de vida na Rússia, vi que os problemas são de dois tipos, um cultural e outro técnico.

O cultural tem a ver com o contato físico. Não faz parte de cultura deles tocar o outro se nã ohá um vínculo formal. Tocar um desconhecido e dar-lhe um abraço mais amoroso é impensável. Há pessoas, inclusive, que desistem do tango quando percebem como ele é dançado, quando realmente têm consciencia dessa proximidade. Na fase inicial de aprendizado isso funciona como um filtro, infelizmente.

Tecnicamente, o problema não tem nada a ver com a aprendizagem em si. Os russos têm uma tradição histórica na dança de salão, dança tradicional e balé, possuem muita formação técnica e são muito competitivos. O problema com o tango é que, em função da distância com a Argentina e do desconhecimento do idioma, muitas idéias sobre o que é a dança foram distorcidas. Às vezes surgem conflitos por interpretações técnicas ou mesmo nomes de figuras de baile. É comum encontrar professores russos que dizem “minha técnica é a original”, desconhecendo o quão multi cultural e plural é o tango. Muitas vezes, por respeito, tenho que ficar calado quando alguns professores russos querem me explicar “como é que se dança na Argentina, na realidade“.

Tango na rússia - milonga Alexandre Drada Salazar

Como é a tua rotina? Você consegue viver do tango em Irkutsk?

Há 4 anos me dedico completamente ao ensino. No início trabalhei como convidado numa escola muito popular na cidade de Irkutsk. Há dois anos abri a minha própria escola, em companhia de Anastasia Pavlina, minha mulher. Nossa escola se chama “Avenida”. Eu queria usar o nome em russo “проспект” para que fosse “проспект танго” – (Avenida tango), uma alegoria à “Avenida Corrientes”, mas resulta que o nome em espanhol é muito sonoro e fácil de lembrar. Ficou Avenida. (Curta a página no Facebook!)

Atualmente, eu vivo do tango. Ensino, danço e toco tango, consegui integrar atividade musical com a de docente. Na Sibéria, junto com minha parceira, somos reconhecidos não apenas como professores e dançarinos, mas também como um dueto musical de tango. Quando cheguei, alguns professores locais me disseram que era impossível viver de tango, mas creio que na verdade eles não se atreviam a dar um salto de fé, que foi o que eu fiz, ou o que fazemos muitos latino-americanos quando vamos viver em outro lugar. Seguir em frente e pensar que vai dar tudo certo! Tenho um estilo de vida confortável e trabalho em algo que eu realmente gosto.

 

Tango na rússia - milonga Alexandre Drada Salazar y Anastasia Pavlina

Vocë tem curiosidades para compartilhar com a gente?

Muitas! As mais notáveis são as seguintes:

1- Na Rússia, a dança está associada ao esporte, ao esporte com hábitos saudáveis. Nas milongas as pessoas não consomem bebidas alcoólicas ou drogas, as pessoas tomam chá ou suco de frutas. Os milongueiros daqui são pessoas saudáveis ​​em sua imensa maioria A única “substância” que os une é o tango, nada mais.

2- Os tangueiros da Rússia européia são mais técnicos, mas menos afetuosos. Os tangueiros da Sibéria são ao contrário –  menos técnicos, mas mais carinhosos e expressivos. Creio que o tango na Sibéria é mais parecido com o de Buenos Aires.

3- Infelizmente, os maus costumes tangueiros também chegaram aqui. Há uma elite de “neo milongueritos clássicos” – aqueles que defendem a uma suposta pureza do tango clássico, aqueles que só dançam entre conhecidos ou com pessoas de um certo nível, ou com as meninas mais lindas e jovens, que passam 15 dias em Buenos Aires e voltam querendo dar cursos de história do tango.

4-  Há escolas de tango em lugares que vocês não acreditariam. Circuitos de tango minúsculos mas ativos, inclusive em lugares onde não existem professores, mas entre os estudantes se ajudam e partilham seus conhecimentos. E, para a surpresa de muitos, dançam bem.

Leia O Tango na Rússia – história e milongas 

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