Rumo ao Caminho das Missões

caminho das missoes

 

O Caminho das Missões, no Rio Grande do Sul, é uma caminhada pelas antigas estradas missioneiras que ligavam as Reduções Jesuítico-Guarani. Uma versão bem gaúcha do Caminho de Santiago, com direito a amuleto e cajado feito pelos índios. Oito dias, 183 quilômetros.

Sempre fui apressadinha. Aprendi a ler aos 5, saí de casa aos 14, me formei aos 20, aos 22 já vivia sozinha em Londres. Por isso nem estranhei que a crise dos 50 anos tenha chegado agora, adiantada, aos 49. Uma necessidade de me isolar, desconectar, ficar longe da rotina e me ocupar de mim. Pensar em como quero que seja o tempo que me resta neste planetinha. Decidi me dar de aniversário uma viagem “pra dentro”, uma peregrinação, como muita gente chama esse tipo de jornada.

Todas as fotos são uma gentileza do Caminho das MissõesEm geral, as pessoas optam pelo Caminho de Santiago de Compostela, que era também meu plano A.  Fiz as contas, mas não tinha jeito. Foi então que descobri que não precisava ir tão longe, que dava para fazer o trajeto em casa. Em casa mesmo, no Caminho das Missões. 

Dia 20 de julho tomo um ônibus em Buenos Aires em direção a Santo Tomé, uma viagem de 10 horas. De lá, cruzo a fronteira para o Rio Grande do Sul, até São Borja, e sigo por mais um trecho até São Nicolau, onde começa o Caminho das Missões, uma caminhada pelas antigas estradas missioneiras que ligavam as Reduções Jesuítico-Guarani. Embora seja um caminho místico, não é uma romaria, nem uma peregrinação para pagar promessa. No meu caso, é só pra ficar pensando melhor mesmo.

O ato de caminhar convida à reflexão, seja pela solidão nas estradas, pela disciplina que exige, pelo despojamento dos pertences, pela influência dos companheiros de trajeto que seguem na mesma toada, pela distância de casa. Tudo isso eleva o pensamento e a alma. Ou pelo menos isso dizem!

caminho das missões por do sol

Caminho das Missões – como é

Há várias maneira de fazer o Caminho das Missões, com caminhadas de 3 a 14 dias, em grupo ou sozinho. Ou de bike. Eu escolhi um formato intermediário, a caminhada de 8 dias, num total de 183 quilômetros. Me inscrevi para a caminhada em grupo porque, embora buscasse isolamento, queria ter a possibilidade de pedir socorro em causo de precisão.

A empresa que organiza a caminhada – é um passeio privado – oferece a possibilidade de levar a mochila no carro de apoio (até 12kg), se a gente quiser caminhar mais leve. Eu ainda não decidi o que vou fazer porque queria usar esta experiência como piloto para o Caminho de Santiago.

Os caminhantes dormem pelo caminho, em propriedades rurais, o que supostamente garante convívio com vida e cotidiano interiorano, espero que com histórias e causos do dia-a-dia do homem do campo. Eu já me imagino mateando com uma cuia gigante, à beira de um fogão a lenha, cerração lá fora. Sim, tem louco pra tudo. A proposta promete ainda a passagem por trilhas ecológicas e culturais para conhecer tipos de plantas e de árvores utilizadas por índios e padres jesuítas. Veremos.

Bem, hoje o tempo virou e parece que vai fazer muito frio no Sul. Podia ter esperado a primavera? Não. Queria caminhar agora. Sou do tipo “ligue já”!

caminho das missoes

Caminho das Missões – um pouco história

Fazer o Caminho das Missões foi dar de cara com a minha ignorância. Fui direto pedir, peloamordedeus, que o Alcy Cheuiche me mandasse um exemplar de Sepé Tiaraju, Romance dos Sete Povos das Missões, que era referência mais confiável que eu tinha.  Tambèm aproveitei para rever o filme A Missão, que está em Netflix.

O que sei, minimamente, é que as Missões eram iniciativas religiosas comandadas pelos jesuítas, que desembarcaram no Brasil com o objetivo de levar o cristianismo para os índios. Sete Missões foram criadas no atual estado do Rio Grande do Sul, que na época fazia parte dos domínios da Espanha. A maior e mais austral delas foi São Miguel Arcanjo. Também eram chamadas de Reduções, expressão que vem do latim “reductio”, cujo significado é redirecionar, dando a ideia do objetivo de conversão religiosa dos jesuítas.

Catequizados, os índios passaram a viver em povoados, onde funcionava o que para alguns pesquisadores foi um modelo de socialismo religioso.  Até que Portugal e Espanha resolveram dividir novamente a América do Sul, no Tratado de Madrid, assinado em 1750. A partir daí foi uma confusão. Os índios, que eram livres debaixo do governo espanhol, receberam a ordem de sair do território que agora era português. E recusaram. O conflito terminou nas chamadas Guerras Guaraníticas, que serviram de pretexto para a expulsão da Companhia de Jesus do território português. As Missões, aos poucos, foram transformadas em ruínas. As Missões Jesuítas Guaranis foram declaradas Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco, em 1983.  Há reduções também no Paraguai e na Argentina.

Espero contar esta história em detalhes na volta.

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7 Comments

  • Que baita texto!
    Deu vontade de fazer também.
    Quero descobrir se não dá pra fazer algo assim lá pelas bandas de Caçapava.

    • Oi Leonardo, tudo bem? Saudade de ti. Os Caminhos estáo crescendo em todo o Brasil. Tem um em SP, chamado Caminho do Sol, que me parece bem consolidado também. Eu acho que lá em cacapava seria lindo. Tem é que pensar na estrutura de receptivo no interior e na segurança, carro de apoio, etc. Embora esse caminho das missões dê a opção da gente ir sozinho. Na volta eu conto tudo.

  • Celia Fernandez disse:

    Hola Gisele!!!! muy interesante tu relato que, como siempre, esta muy bien escrito y te atrapa desde el comienzo. Como me gustaria poder ir contigo!!!!! Siempre quise hacer el Camino de Santiago, pero lo fui postergando año tras año, y ahora ya es un poco tarde. Te deseo un hermoso camino de las misiones y que encuentres lo que vas a buscar. Un abrazo, chiquita
    Celia

  • Julio Carlos Sander disse:

    Oi Gisele , gostei muito da tua decisáo de fazer este caminho agora . Eu sou um peregrino veterano de muitos .Dois livros sobre Caminhos de Santiago (tem na sede das Missões) e muitos outros caminhos .Dia 13 de agosto estarei iniciando o Caminho da luz , em Minas Gerais.De Timbos até o pico da bandeira , no alto Caparaó. Aqui nas Missões sou o mais velho , pois já o fiz 25 vezes e sou guia de caminhadas desde 2006. Fiz parte do Caminho experimental antes do lançamento mundial em abril de 2002.Inclusive o percorri com meu neto , quando ele tinha apenas 2 anos e 4 meses.Poderás ver os tênis dele que estão na sede do caminho. Te desejo um caminho cheio de surpresas maravilhosas , pois receberás em cada ponto de parada a hospitalidade e simpatia do gaúcho missioneiro.O frio , a chuva , as geadas, as dores nas costas, os joelhos castigados , tornarão a tua conquista muito mais grande. Da minha parte te dou os parabéns pela tua escolha e em cada lugar de parada , manda um abraço e as saudades minhas a esse povo que tanto amo.

    • Oi Júlio, eu já te conheço de tanto ouvir falar de ti! Você já é uma lenda no Caminho. Em cada lugar que a gente chega tem alguém que conta yuma história tua. Na volta, vamos nos contatar. Não quero parar de caminhar. É uma experiência hermosa. UM abração.

  • Guiga Muller disse:

    Oi Gisele! Cheguei aqui pesquisando sobre o Caminho das Missões! 🙂
    Que legal que tu tens interesse em fazer o Caminho de Santiago! Se eu puder te dar uma dica, acompanha o projeto da minha amiga e parceira de trabalho Andréa Prestes no site http://www.caminhospelomundo.com.br! Ela tem livros fotográficos lindos!
    Adorei teu blog e agora vou virar seguidora! Amo Buenos Aires!
    Um abraço!!!

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