Zitarrosa: 10 discos de arquivos inéditos

Quando li essa notícia não podia acreditar: a Fundación Zitarrosa, administradora da obra de Alfredo Zitarrosa, disponibilizou em todas as plataformas digitais, de graça, uma coleção de 10 discos do artista com áudios inéditos. Ensaios, recitais históricos, versões de tangos clássicos e registros do processo de criação desde “dentro”, além de entrevistas raríssimas do uruguaio, falecido em 1989.

A novidade foi anunciada em julho no site Arquivo Zitarrosa, que pertence à família do músico.

No texto de apresentação dos discos, as filhas de Zitarrosa informam que ele registrava e documentava seu trabalho com uma dedicação pouco frequente.

Muitas dessas horas gravadas correspondem a versões em estúdio que não foram editadas em seguida, ou a concertos em diferentes lugares e épocas.

O artista usava essas gravações – como outros músicos também o fazem – para lembrar ou retomar fragmentos, melodias ou temas que de outra forma seriam difíceis de aproveitar. Muitas outras vezes o registro simplesmente não tinha nenhuma função utilitária, apenas respondia ao prazer de não perder um momento criativo que mais tarde seria irrepetível.

Arquivos inéditos de Zitarrosa: os ensaios

Nos ensaios a gente encontra verdadeiras jóias. Por exemplo, há uma gravação de quando Zitarrosa estava criando “El violín de Becho”. Dá para ouvir como ele orienta um de seus guitarristas, assobiando e cantarolando os arranjos. “‘Porque a Becho le duelen violines, / que son como su amor…’, diz.  Em outra gravação, com o próprio Becho Eizmendi no violino, ficam para sempre as versões dos tangos “La Cumparsita” e “Caminito” ensaiadas em Montevidéu em 1968 e nunca editadas em disco.

Zitarrosa e Atahualpa Yupanqui

Com Atahualpa Yupanqui

Podemos escutar também fragmentos do primeiro concerto individual de Zitarrosa em Montevidéu, no Teatro Odeon, em 2 de abril de 1967.  “Todavía no tengo suficiente madurez para permitirme eso“. Este áudio está na introdução de “Milonga del Solitario” (de Atahualpa Yupanqui), no disco 1. 

 

arquivos inéditos zitarrosa

Com o parceiro Becho Eizmendi

Arquivos inéditos de Zitarrosa: os tangos

O resultado dessa mania de gravar são 300 horas de material, que começaram a ser digitalizados em 1996 com o apoio de Fondo Capital de la Intendencia de Montevideo e FONAM. Os discos têm uma duração de 45 minutos.

Entre os temas inéditos estão as gravações dos tangos “Vieja Viola”, “Mi noche triste”, “Malevaje”, “Madame Ivonne”, “Tinta roja”, “Farolito de papel”, “Dicha Pasada” e “Milonga Sentimental”. “La Última Curda” (1956), de Aníbal Troilo e Cátulo Castillo, está genial. “Vieja viola, garufera y vibradora, / de mis años de parranda y copetín”, canta Zitarrosa, interpretando o tango clássico de Humberto Correa. “Vieja viola” é a música que abre o primeiro álbum.

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Arquivos inéditos de Zitarrosa: as entrevistas

A terceira perna desta compilação de arquivos inéditos são as entrevistas com o cantor-compositor. Entre elas, uma feita em Buenos Aires em 1976, quando ele tinha 40 anos e na qual fala sobre seu processo de criação e valores.

“Se trata de sentir que todos y cada uno somos semejantes. Y en general que lo más importante de todo es la vida, la emoción por la vida, sentir que no hay cosa más importante que eso.” “La vida, la creación, la justicia, la libertad, son los grande valores que uno defiende, que uno siente como su tarea, aquello que debe decir una y otra vez aunque aburra.”

Em outra, na Espanha, em 1976, Zitarrosa fica muito irritado com o jornalista, que o trata como argentino: “No sou argentino e você, que me pediu uma entrevista, devia saber”. Daí por diante a relação fica meio tensa e o entrevistador não dá uma dentro, nem quando fala da milonga como gênero, nem quando menciona o pampa (está no disco 2). Neste áudio Zitarrosa fala, ainda, sobre seu recente exílio. O disco 9 traz uma entrevista que Zitarrosa “jornalista” faz a Juan Manoel Serrat, em 1970, durante um almoço íntimo entre os dois.

Abaixo, um trailer do documentário Ausencia de mí, de 2018, de Melina Terribili, sobre o tempo no exílio, a partir do acesso aos arquivos pessoais do artista.

 

Escutem o volume 1 em spotify:

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