Cartas de Baires: Heróis estaqueados

“El que estuvo al frío mucho tiempo quiere estar quieto, quedarse al frío temblando y dejarse enfriar hasta que todo termina de doler y se muere”

Los Pichiciegos – Rodolfo Fogwill

Os maus tratos sofridos pelos soldados argentinos durante a Guerra das Malvinas foi uma das facetas mais cruéis do conflito contra a Inglaterra.

Os depoimentos publicados pelos jornais de ontem, aos 30 anos do início da batalha, mostram que o pior inimigo das tropas revelou-se ser o próprio exército nacional, que tinha entre seus comandantes alguns repressores da Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA) e da Base Naval de Mar del Plata. Muitos deles fizeram na ilha o que já tinham feito no continente.

Além de passarem fome e frio, os soldados foram torturados das mais diversas maneiras. Entre os “castigos” aplicados às tropas (em 90% dos casos por roubarem comida) estava a chamada estaca.

Os militares colocavam quatro estacas no chão e prendiam os soldados ali, com os braços e pernas esticados, a uns dez centímetros da terra, durante horas, em um frio de 20 graus abaixo de zero. Os mais rebeldes recebiam uma granada na boca para não ter perigo de se mexerem.

Outras torturas incluíam submergir os soldados em poços de água fria ou obrigá-los a ficarem horas com os pés nestes lugares. A exposição a baixas temperaturas de maneira prolongada causava inchaço nas pernas e pés, o que os impedia de tirar as botinas. Muitos nunca mais voltaram a caminhar.

Outros foram obrigados a urinar sobre os companheiros ou a comer alimentos misturados aos próprios excrementos. Isso sem falar no repertório sádico militar “tradicional”, como saltar ao lado de campos minados.

Quando os soldados voltaram das Malvinas, tiveram que assinar uma declaração jurada de que não iam falar sobre a guerra porque esta era uma “questão de Estado”. Era a condição para serem liberados. Por isso os detalhes das torturas demoraram tanto em aparecer.

Um dos primeiros a abordar o tema foi o ex-soldado e jornalista Edgardo Esteban, autor do livro Iluminados pelo Fogo, de 1993, que mais tarde virou filme nas mãos do diretor Tristan Bauer.

Agora há dezenas de depoimentos que falam, ainda, da quantidade de comida encontrada nos galpões argentinos no final da guerra, após os soldados serem capturados pelos ingleses.

Depois de quase morrem de fome (alguns voltaram com 40 quilos), eles dormiram sobre montanhas de queijos, doces, laranjas, carne em lata e até uísque – comida que os militares argentinos se negaram ou foram incapazes de repartir entre os soldados.

O que os ex-combatentes querem agora é que as torturas a que foram submetidos sejam consideradas crimes contra a humanidade. E, portanto, imprescritíveis.

Querem o reconhecimento de que a Guerra das Malvinas foi parte de uma ditadura que seqüestrou, torturou e matou. E que os 74 dias de conflito não foram mais que a continuidade deste processo, inclusive com alguns protagonistas repetidos.

Texto no Noblat, AQUI. 

3 Comments

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *