Cartas de Buenos Aires: Tomás Eloy Martínez

Com a morte de Tomás Eloy Martínez, ontem, provavelmente se encerra um dos capítulos mais ricos e agitados acerca das relações entre jornalismo e literatura. Muito do que eu aprendi sobre a Argentina veio pela literatura. Uma boa parte por Martínez: Santa Evita, A Novela de Perón, O Cantor de Tango, O vôo da Rainha e muito mais. Leia mais neste post.

Tomás Eloy Martínez

Tomás Eloy Martínez

Muitos anos antes de sonhar em morar na Argentina, um escritor e jornalista já me ajudava a entender o país que há um ano me acolhe tão docemente. Por isso fiquei muito triste, ontem, ao saber do falecimento de Tomás Eloy Martínez, aos 75 anos, de câncer.

Martínez era um contador de histórias como poucos e fazia parte da turma do novo jornalismo, ao lado de Truman Capote, Gay Talese e Norman Mailer. Me “enganchei” com sua escrita, como se diz aqui, quando ele já estava no terceiro livro – “Santa Evita”. Lançado em 1995, esta obra relata as peripécias pelas quais passou o caixão que levava o corpo embalsamado de Eva Perón, desde seu desaparecimento em Buenos Aires em 1955 até seu ressurgimento, em Madri, em 1971. Foi o romance argentino mais traduzido da história, distribuído em cerca de 30 países. Não conseguia parar de ler.

E desde então não parei mesmo. Na sequencia, li “A Novela de Perón” (1985), que romanceou a vida do ditador argentino, “O Cantor de Tango”, de 2004, e, no ano passado, “O vôo da Rainha”, escrito em 2002.

Este último, aliás, saiu no Brasil como parte da coleção Plenos Pecados e trata da soberba, tendo como pano de fundo o que acontecia na República do Prata entre 1997 e 2001. Os protagonistas são Camargo e Reina – ele, diretor do mais importante jornal da capital, o Diário de Buenos Aires, e ela, jornalista.

Dizem que quando o escritor estava na metade da obra, ficou sabendo que o jornalista Pimenta Neves, editor do jornal Estado de S. Paulo e seu velho conhecido, havia assassinado a tiros a namorada, e também jornalista, Sandra Gomide, depois de ter conversado com ele ao telefone. Aturdido, viu coincidências entre o que escrevia e vivia e mudou toda a história. Mas está tudo lá.

Agora quero ler “O Purgatório”, sua última novela, que conta a história de um casal separado pelo terrorismo de estado em 1976, que volta a encontrar-se 30 anos depois. O argumento é ótimo. Emilia Dupuy reencontra, num bar de Nova Jersey, seu marido, Simón Cardoso, desaparecido político da ditadura militar argentina, dado como morto. Após um instante de incredulidade, ela se certifica de que é ele mesmo. E nota que o marido não envelheceu – continua igual ao que era há três décadas. Mas ela então tem sessenta anos.

A partir daí, dizem, começa uma narrativa impressionante, na qual Tomás Eloy Martínezpassa um pente fino na degradação da sociedade argentina durante a ditadura, no mundial de futebol de 1978, nos desaparecidos, na questão dos direitos humanos após a volta da democracia.

Os jornais daqui destacaram ontem que Martínez esteve consciente até seus últimos momentos, fez questão de se despedir de todos os amigos, e tinha esperanças de terminar uma última novela, que se chamaria Olimpo. Lutou até o final, no meio da tempestade.

Além de ficcionista, Tomás Eloy Martínez teve uma carreira brilhante no jornalismo. Colaborava atualmente com La Nacion, The New York Times e El País, da Espanha. Para Martinez, o jornalismo e a literatura eram a mesma coisa.

La literatura, como el periodismo, son centralmente actos de transgresión, maneras de mirar un poco más allá de tus límites, de tus narices. El periodismo no es un acto de narcisismo, es un acto de servicio, servicio a la comunidad, servicio a los demás, servicio a la verdad”.

 

1 Comment

  • Marcelo disse:

    Trelew, Perón y Evita
    Fueron historia absurda
    y distinta de tu mano
    lúcida, implacable, generosa

    Le escapaste a la muerte
    en los setenta
    y perdiste a tu mujer
    en otro absurdo
    cruzando una calle en Nueva Jersey

    Cuantas muertes te rodearon ¡Tomás!
    Viniste a morir a nuestra tierra
    Tranquilo y perfumado (por las dudas)
    tus hijos cerca, y tu literatura

    Pediste que el sepelio fuera
    con música y gin tonics
    ¡Cuánto enseñaste, Eloy,
    hasta el final!

    Para mí seguís en la Argentina
    que tanto amaste.
    Vivo, en aquellos libros tuyos
    que aún no leí.

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