Cresci numa cidade de inverno rigoroso. Fim de tarde, a rotina era banho, pijama, lã e linha. A gente tricotava, “crocheteava” ou bordava em frente à lareira até dar sono. Três gerações. A vó, a mãe, a mana e eu. Ficou pra sempre esse amor por um “trabalhinho de mão” e tudo o que aprendi naquelas noites geladas. Especialmente começar com algo simples, para poder terminar, desmanchar e iniciar outra vez quando dá errado. Vale para as agulhas, vale para a vida.
Por isso esse ano, quando cheguei a Lisboa, uma das poucas certezas da minha agenda era visitar o projeto “A Avó veio trabalhar”, um atelier dedicado a pessoas com mais de 65 anos. Não sei se foi o fato de fazer 50 anos, ou de estar viajando sozinha, mas senti uma urgência de beber nas fontes! Queria amor de vó. Ganhei. Chorei um bocado.
A Avó veio trabalhar – o que é
Todas as semanas, umas 70 avós (30–35 fazem parte do núcleo duro) se reúnem para por em prática artes como costura, crochet, tricot, serigrafia e bordado sobre foto. Um espaço de aprendizado, compartilhamento de saberes e empoderamento de abuelas, criado em 2014 e capitaneado pela designer Susana Antonio e pelo psicólogo Angelo Compota.
A diferença do “A avó veio trabalhar” está no conceito: é o saber tradicional, mas transportado à contemporaneidade. As avós entram com o talento e os designers com o know how de mostrar este talento de forma atual e de atrair clientes dispostos a comprar este trabalho.
O primeiro desafio foi tirá-las da zona de conforto. Primeiro, estimulando a criatividade. Bordar com cores fortes, exageradas, improváveis, e com motivos diferentes. Bordar o que elas nunca tinham bordado, bordar diferente. Numa das primeiras coleções elas fizeram luvas com caveiras mexicanas. Para algumas, foi um choque. Mas produção esgotou em pouco tempo, elas adoraram, e pediram mais! Depois vieram as fotografias.
Outra estratégia foi levar as avós para lugares que elas tradicionalmente não iriam, como dar workshops em bares e cafés bem modernos. Ou seja, colocar as avós a desbravar a cidade, num primeiro momento. Depois, elas começaram a viajar pelo país e também pelo exterior. Acabaram até fazendo bolachas quase pornográficas no Lisboa Pride! Hoje estão “imparáveis”!
A Avó veio trabalhar – os números de 2018
Os números são impressionantes. Somente no ano passado, as avós confeccionaram 627 produtos, deram 25 workshops, ofereceram 29experiências de turismo criativo, fizeram uma performance num museu, arrasaram no Lisboa Fashion Week e deram uma palestra no TED-x, para citar algumas façanhas.
Também receberam a visita do presidente da Republica, foram imagem de marca de duas empresas portuguesas, saíram em diversas revistas internacionais e ganharam mais de 6 mil seguidores no Instagram (foi lá que as conheci). O projeto ganhou fama e agora, entre uma peça e outra, elas precisam encontrar espaço para entrevistas, desfiles e sessões de fotografia (foram 19 somente em 2018).
Resumo: acabaram com suas caras impressas em 650 ônibus que circulam por Lisboa, Porto e Braga! Esse ano tem mais, muito mais.
Na tarde que passei no atelier, eu decidi não fazer entrevistas e simplesmente curtir. Aprendi algumas técnicas de bordado sobre fotografia — o projeto delas para 2019 é bordar em grandes formatos — e fiz um workshop de estêncil. Também conheci a coleção que estão confeccionando agora, a partir de temas do cotidiano, como as almofadas em forma de remédio.
Em cada coleção elas fazem uma sessão de fotos profissional, o que é super importante para a autoestima das garotas, mas o projeto é mais que isso. “Os trabalhos manuais são uma ferramenta maravilhosa para a sociabilização. Graças à agulha e ao tricot, as relações afetivas vão sendo tecidas. Criam-se relações que vão muito para além do workshop. As relações ficam”, diz Susana.
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Susana diz que o “A avó veio trabalhar” surgiu para mudar o paradigma do que as pessoas acham que é envelhecer. Não é uma maldição, mas algo que deve ser saboreado, desejado e algo que merece ser vivido em pleno. Visitar as avós foi um espelho para mim. Todos temos medo. Mas a gente é muito maior. É como diz Arnaldo Antunes, a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer.
Prezada Gisele,
Adoro seu blog com suas matérias, informações, curiosidades e tudo mais.
E escreve muito bem, também!
Parabéns pelo belo trabalho que realiza.
Saudações,
Fernando.
GRacias, Fernando! Um forte abraco.
Espetáculo!
Amei essa matéria, o trabalho é muito lindo, gratificante para quem faz!!Gostaria muito de ser voluntária também, eu não bordo, mas eu pinto o sete!!! rsrsr Como faço para poder participar?? Moro no Brasil e tenho 56 anos.