Milongas e pandemia: o descaso do governo de BA

milongas portenhas em crise

Há cinco meses com as portas fechadas, as milongas portenhas não sabem se poderão sobreviver à pandemia, sem auxílio do Estado. Além de não acenar nesse sentido, o governo da cidade fez uma proposta considerada indecorosa pelos trabalhadores de um de seus principais bens culturais.

Depois de anunciar a suspensão do Festival e Mundial de Tango 2020, o governo da cidade de Buenos Aires voltou atrás e decidiu fazer uma versão online do evento. Em meio a pior crise do tango, a direção de Festivales de la Ciudad entrou em contato com bailarinos e com as duas principais associações de milongas convidando-os para que participassem da iniciativa, mas sem remuneração, tendo em contrapartida somente a divulgação no site do festival.

Foi a gota d’água para um setor que já vem apanhando com a crise financeira, o fechamento de espaços por razões estruturais e há cinco meses com a pandemia.

protesto de milongueiros no obelisco Foto Robert Serbinenko

Protesto de milongueiros em frente ao Obelisco, em 2017. Foto de Robert Serbinenko

A Associação dos Organizadores de Milongas (AOM) e Milongas com Sentido Social (MiSeSo) divulgaram uma carta classificando a proposta de “indignante” e avisam que não vão poder sobreviver sem uma ajuda econômica do Estado. Texto completo da carta AQUI.

“Se eles que são governo, a quem cabe defender e proteger a cultura, a exploram, o que fazem é levar a precarização laboral a estagio cada vez maior”, afirmou Julio Bassán, da AOM, ao jornal Página 12. A representante da Miseso, Valeria Buyatti, disse que ajuda extraordinária que o setor está pedindo podia vir justamente do orçamento original designado do Festival e Mundial, que não será utilizado em função de seu cancelamento. Leiam a matéria completa no Página12, de Andrés Valenzuela. Uma segunda carta, desta vez do Conselho de Tango Dança, também classifica a proposta de “inaceitável”, acrescentando que o tango merece ser tratado com a hierarquia que lhe corresponde.

Milongas e pandemia: o tango passa o chapéu

 

O problema vem de longe. Desde que o tango foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, em 2009, o governo da cidade de Buenos Aires fez uma opção de direcionar a orçamento do setor para mega eventos que atraíssem turistas internacionais. E nunca se importou em ter uma política pública que ajudasse a manter os salões de baile, os clubes de bairro e os espaços culturais onde funcionam as milongas – que é onde realmente o tango está vivo. O resultado desse abandono a gente vê agora na pandemia.

 

Fonte: Governo da cidade de Buenos Aires

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Bassán informa que depois da repercussão do fato na mídia, direção de Festivales, que organiza o Mundial de Tango, procurou as associações para dizer que havia um “mal entendido”. O presidente da AOM reafirma que a primeira oferta foi  ad honórem e que depois o governo fez ofertas para alguns bailarinos, mas com remuneração muito baixa. Ele acrescenta que independente dos valores não  interessa à classe tangueira uma participação pontual no festival e sim uma discussão a fundo de um problema que vem de anos: a falta de apoio ao setor.

Rodrigo Calvette, da Associação dos Trabalhadores de Tango Danza (TDD) acrescenta que a oferta de Festivales foi diversa: participação grátis para alguns, remuneração baixa para outros e alguma remuneração considerada satisfatória para uns poucos. “No nosso entendimento o tema excede a isso e tem a ver com discussões mais importantes, como a ausência de políticas que atendam a emergência cultural na cidade de Buenos Aires e a falta de um plano de contenção. Estamos em total abandono”.

Na ausência do Estado, os tangueiros se uniram e vêm fazendo um trabalho excepcional de ajuda aos profissionais mais necessitados, com distribuição de cestas básicas – mais de 60 foram entregues – e de ponte entre as pessoas que estão em melhores condições financeiras, com os mais necessitados, para ajuda financeira.

protesto de milongueiros no obelisco

Foto de Robert Serbinenko

Na carta divulgada pelos coletivos, eles apelam para uma reflexão por partes das autoridades correspondentes e um espaço de diálogo real para encontrar soluções. Buenos Aires tem 200 milongas que empregam 1500 pessoas, isso sem contar os trabalhadores das casas de show para turistas, casas de concertos, orquestras, corpos de bailes oficiais e academias de dança. Ninguém recebeu ajuda até agora.

Dois consolidados espaços de ensino fecharam as portas: o DNI Tango (Almagro) e o Estúdio Mario Morales (San Telmo), além da milonga La Aurora (Abasto). Quase todas as milongas e academias funcionam em espaços alugados.

Milongas e pandemia: atraso no subsídio

Outra reivindicação é o pagamento do subsídio BA Milonga, único programa de apoio do governo portenho às milongas, existente há três anos, criado depois de muita pressão dos tangueiros, mas que ainda não chegou este ano. Também dizem que foi negado o pedido de ajuda extraordinária, feito ao Ministério de Cultura da cidade.

Entre as atividades culturais, o tango foi uma das primeiras a suspender suas atividades em Buenos Aires, no dia 11 de março, mesma data em que Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou como pandemia a COVID-19. E, por suas características – contato estreito, intenso fluxo de turistas, intercâmbio entre faixas etárias e muitos milongueiros de idade avançada – vai tardar para voltar.

De acordo com um levantamento feito pelo setor, pelo menos 15 mil pessoas foram afetadas pelo fechamento das atividades vinculadas ao tango.

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