Caminho das Missões – dicas gerais

Caminho das Missões. Foto Lucas Segatto

 

Esta é uma série posts sobre o Caminho das Missões, no Rio Grande do Sul, um roteiro pelas antigas estradas missioneiras que ligavam as Reduções Jesuítico-Guarani.Uma versão bem gaúcha do Caminho de Santiago, com direito a amuleto e cajado feito pelos índios. Oito dias, 180 quilômetros, de São Nicolau a Santo Ângelo. Neste post, dicas práticas e um pouco de história.

caminh das missões Santo Angelo Foto Gisele Teixeira

Todo mundo que faz algum “caminho” diz a mesma coisa: que o caminho te chama!

Sempre achei isso um exagero, até que aconteceu comigo. Há um ano, na véspera do meu aniversário, senti uma vontade tremenda de caminhar. Meu plano A era fazer o Caminho de Santiago de Compostela, mas olhando a conta bancária me dei conta que não dava. Foi então que descobri que não precisava ir tão longe, que era possível ter uma experiência similar em casa. Em casa mesmo, no Caminho das Missões, no Rio Grande do Sul.  E fui.

Foi uma decisão acertada, por muitos motivos, mas especialmente porque nunca tinha caminhado por tantos dias seguidos, não tinha ideia do esforço necessário para fechar 20-30 km por dia, e pude testar meus limites acompanhada por uma equipe experiente e acolhedora. Acordar cedo, caminhar no frio e na chuva (eu peguei muuuuito frio e muuuita chuva) e ainda, às vezes, no vento, foi bem intenso.

caminho das missoes foto lucas segatto

Aproveito para contar esta história agora para que mais gente possa vivê-la! A empresa que promove o Caminho das Missões está com uma caminhada agendada para julho de 2019 e outra para agosto, a primeira internacional, que vai unir os três países que possuem reduções – Paraguai-Argentina-Brasil – num circuito de 30 dias. Aproveitem!

mapa missoes

Cliquem no mapa para vê-lo em tamanho grande

Mas o que são exatamente as reduções?

É difícil contar a história das missões “rapidinho”. Vou fazer uma introdução e depois um post especial sobre o tema.

As missões jesuíticas (conhecidas também como reduções) eram grandes aldeamentos indígenas organizados pelos jesuítas da Companhia de Jesus na América, a partir da sua chegada ao continente, em 1549, com o objetivo de expandir a exploração das terras espanholas e catequizar os índios. Na época, de acordo com o Tratado de Tordesilhas (1494), essa porção espanhola incluía parte do que é hoje o Brasil.

A palavra redução, expressão que vem do latim “reductio”, cujo significado é redirecionar.

No sul do continente viviam os índios guaranis, que ocupavam as terras férteis do Rio Uruguai até o litoral. Viviam em aldeias, eram horticultores, conheciam a cerâmica e a pedra polida. Desenvolveram a plantação de muitos vegetais nativos – comestíveis e medicinais – nas suas roças em meio à floresta. Catequizados, passaram a viver nesses povoados cristãos, nas reduções, onde funcionava o que para alguns pesquisadores foi um modelo de socialismo religioso

caminho das missoes horta

Mas você deve estar se perguntando: por que os guaranis cederam seu espaço e foram viver num lugar delimitado e ainda sob uma religião europeia?

Os índios “reduzidos” tinham salvaguardas, eram considerados homens livres e não podiam ser capturados por bandeirantes portugueses e espanhois em busca de escravos. Ou seja, estavam mais protegidos dentro das reduções do que fora, num período em que crescia aceleradamente a demanda por escravos e os ataques ilegais aos aldeamentos se multiplicavam.

A união de culturas tão diferentes, a guarani e a européia, deu um caldo interessante. A originalidade da cultura guarani, alicerçada no solidariedade e reciprocidade, encontrou nas inovações técnicas trazidas da Europa, como a escrita, imprensa, metalurgia, arte e arquitetura barroca as condições ideais para o grande desenvolvimento alcançado.

caminho das missões desenho redução

Esta estrutura interna se repete em todas as reduções

No período de pleno desenvolvimento foi criada uma rede com mais de 30 povoados, onde chegaram a viver 141 mil índios. Com estrutura urbana semelhante, possuíam estâncias de gado e extraíam erva-mate, entre outras atividades. Todas as estruturas eram interligadas por estradas, formando uma complexa malha viária  com as mais diversas funções. Com o tempo, muitas missões prosperaram e acabaram virando uma ameaça à centralização de poder pretendida pela Coroa.

Até que Portugal e Espanha resolveram dividir novamente a América do Sul, no Tratado de Madrid, assinado em 1750, no qual Espanha trocava parte de seu território (justamente a área onde estavam os Sete Povos das Missões das Missões) pela Colonia de Sacramento. Os índios, que eram livres debaixo do governo espanhol, receberam a ordem de sair do território, agora português. E se recusaram.

O conflito terminou nas chamadas guerras Guaraníticas (1754-1756), a expulsão dos jesuítas da América (1767-68), acusados de controlar um “Estado dentro do Estado” e de insuflar os guaranis contra o domínio português, e a consequente decadência das Missões.

caminho das missões Foto Gisele Teixeira

Os índios missioneiros, revoltados com as ações das cortes ibéricas e sem o apoio dos padres jesuítas, aos poucos abandonaram os povoados dispersando-se pelo território platino. A floresta tomou as cidades abandonadas. Os guaranis foram reduzidos a pequenos grupos errantes que atualmente sobrevivem da confecção e venda de artesanato. Alguns estão em reservas indígenas, onde lutam para manter suas tradições, e pela manutenção da posse das terras e a preservação da natureza.

caminho das missoes sao nicolau

São Nicolau, por volta de 1920

 

A proposta do Caminho das Missões

O Caminho Missões percorre os vestígios arqueológicos desses povoados. Foi idealizado por um grupo de profissionais liberais – Claudio Reinke, Gladis Pippi , Marta Benatti e Romaldo Melher, todos eles apaixonados pela região missioneira e pela história guarani, e também afim de desenvolver o potencial turístico do lugar. Eles se uniram e criaram a agência Caminho das Missões, em 1999.

Para estabelecer o trajeto hoje consolidado, eles percorreram mais de cinco mil quilômetros para conhecer melhor a região das Missões. Foram diversas caminhadas experimentais para demarcar o roteiro e contatar com os moradores das áreas a serem percorridas para convencê-los a aderirem ao projeto.  A ideia era que o trajeto fosse o mais fiel possível à rota original usada pelos índios, por estrada de terra.

“Para os moradores daqui, parecia uma loucura que outras pessoas  se interessassem em conhecer a região caminhando pelo interior, quando era possível ir de carro. Ninguém acreditava”, conta Marta.

Caminho das Missoes. Fotos Lucas Segatto

Todas as reduções possuíam pomares e hortas

A primeira caminhada foi em 17 de agosto de 1999, de São Miguel das Missões a Santo Ângelo. Em 2002 foi criada a Caminho das Missões Operadora de Turismo. E  caminho foi crescendo. Primeiro, ligando São Nicolau a Santo Ângelo, totalizando 170 km e, mais tarde, com a inserção de São Borja no trajeto.  Em 2012, foi inserido no roteiro o trecho que inclui o Santuário do CAARO e alguns outros ajustes, passando para 330 km o trajeto Brasil.

De lá para cá, o caminho ganhou um trajeto argentino e um paraguaio. Este ano eles fazem a primeira rota internacional, de 30 dias, interligando os três países e visitandos os 30 povos. “Saímos dia 17 de agosto, quando celebramos 18 anos de atividades”, destaca Marta.

Diferente de Compostela, que é feito de forma independente, o Caminho das Missões é realizado somente via agência, tendo em vista que as opções de hospedagem são restritas e tudo precisa ser bem calculado. A gente dorme em fazendas, colégios, igrejas e faz as refeições nas casas da região, previamente contatados.

Dá para fazer o percurso em caminhadas de 3 a 14 dias, ou de bike. Escolhi um formato intermediário, a caminhada de 8 dias, num total de 183 quilômetros de trilha, praticamente todo percorrido por estrada de terra vermelha.

A empresa que organiza a caminhada oferece a possibilidade de levar a mochila no carro de apoio (até 12kg), se a gente quiser caminhar mais leve. Aproveitei e fiz essa opção e não considero que minha caminhada tenha sido “menor” por isso, mas o tema é polêmico. Para mim, foi fundamental caminhar sem peso e ter paradinhas, com mate e frutas. Adorei ser mimada nessa primeira experiência!

caminho das missoes

Paradinha para mate e frutas

Caminho das Missões – o meu roteiro

No percurso que eu fiz, encontram-se os sítios arqueológicos de São Nicolau (em São Nicolau), São Lourenço Mártir (em São Luiz Gonzaga), São João Batista (em Entre-Ijuís) e São Miguel Arcanjo, tombado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade (em São Miguel das Missões).

A  gente sai de São Nicolau e a chegada ocorre no município de Santo Ângelo, na Praça Pinheiro Machado, em frente à Catedral.

caminho das missões chegada

Nesse meio tempo, se aprende muito. Sobre os índios, sobre os jesuítas, sobre a tão pouco ensinada história do Brasil. Mas se aprende também sobre plantas, sobre bichos e sobre a gente mesmo.

Passar uma semana fora da zona de conforto, dormindo em lugares simples e dividindo o cotidiando com outras pessoas nos ensina muito. Aprendemos igualmente com as conversas, com os causos e até com os guaipecas, as formigas e, principalmente, com os silêncios.

camminho das missoes cafe da manhã

Café da manhã antes da primeira caminhada. Noite lá fora!

Dia 1 – São Nicolau – Rincão dos Teixeiras – 31,6km

Dia 2 – Rincão dos Teixeiras – São Luiz Gonzaga – 17,7 km

Dia 3 – São Luiz Gonzaga – Larana Azeda – 19,3 km

Dia 4 – São Lourenço – Caaró – 22,8 km

Dia 5 – Caaró – São Miguel das Missões – 22,4 km

Dia 6 – São Miguel – Carajazinho – 32,6 km

Dia 7 – Carajazinho – Parque das Fontes – 26,8 km

Dia 8 – Parque das Fontes – Santo Ângelo – 13,1 km

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Quando ir e o que levar na mochila

Dá para caminhar em todas as estações do ano e creio que primavera e o verão sejam as mais interessantes pelas temperaturas amenas. Eu fui no inverno, peguei frio e chuva, mas adorei assim mesmo. Nessa época, os intervalos de almoço são menores, focados no descanso e na convivência com os hospitaleiros e a gente aproveita bastante a noite, em torno dos fogões à lenha, conversando com os nossos anfitriões. Sem falar que é época de laranja e bergamota e eu voltei amarela de tanto que comi fruta.

Não faria o passeio no verão por causa da poeira que levanta na estrada quando passa um carro, mas isso é super pessoal (eu uso lente de contato, por exemplo). Confiram a agenda neste link.

camnho das missoes

 

Mochila de inverno

Cada pessoa decide o que levar, mas o conselho é que a mochila não tenha mais de 10% do peso de cada um. Para o período entre 15 de maio a 15 de setembro, a temperatura oscila entre 3° a 15° graus durante o dia, podendo chegar 1º a 2º graus à noite e alguns dias deste período.

  • 1 mochila pequena (chamada de ataque), para quem optar por enviar a mochila grande pelo carro de apoio
  • 1 capa de chuva
  • 1  toalha de banho de secagem rápida
  • 1 toalhinha pequena para rosto
  • 1 par de botas ou tênis especial para caminhada (já amaciado)
  • 1 sandália ou chinelo para descansar o pé na chegada e para uso no banheiro
  • 1 garrafinha de água
  • 3 camisetas manga curta (tecido de secagem rápida)
  • 2 camisetas manga longa
  • 2 calças de caminhada (de preferencia calça bermuda)
  • 1 bermuda ou short
  • 1 agasalho (fleece)
  • 4 pares de meias (especial para caminhada, sem costura)
  • 2 pares de meias fina (opcional)
  • Saco de dormir
  • 1 chapéu ou boné
  • Lanterna pequena
  • Material de higiene pessoal
  • Medicação de uso pessoal (relaxante muscular, antiflamatório, estomacal)
  • Protetor solar
  • Protetor auricular – opcional
  • Repelente
  • Gel ou pomada para massagem a base de cânfora
  • Vaselina pasta
  • Agulha e linha
  • 2 micropores largo (4,5 mm) (opcional mais um estreito)

 

Esta semana tem mais Caminho das Missões:

a recepção, as paradas, as pessoas!

 

10 Comments

  • Delmar Bordignon da Costa disse:

    Tenho interesse de fazer o Caminho.

  • Teresa Cristina disse:

    Show Gisele!!! Vou começar a me planejar para fazer este Caminho. A História das Missões me atrai particularmente, porque é região da minha mãe e seus ascendentes. Na Matriz, em que fizeram foto em Santo Ângelo, meus pais casaram. Teu relato está muito convidativo, independente do teu super talento com as letrinhas. Parabéns pela disposição, valorização da História do Rio Grande e por dividir esse conosco este capítulo de tuas aventuras!!

  • Cássia Aparecida Nunes disse:

    Tenho interesse em fazer em agosto. Favor passar mais detalhes.
    Desde já agradeço!!

  • Otavio disse:

    Eu fiz o Caminho das Missões (São Nicolau a Santo Angelo) em julho de 2012. Peguei um calorão nos primeiros dias e chuva no antipenultimo e penultimo dias. Fiz sozinho com as indicações da agencia e um contato por SMS com a minha anjo Estelamaris! Foi muito bom! Ano passado fiz o Caminho Francês de Santiago, também fascinante ainda que excessivamente comercial/turistico. Nas Missões despachei o saco de dormir no 2o dia de volta para Santo Angelo de ônibus e não senti falta. Nos dois caminhos eu me virei muito bem com 2 camisetas.

  • Valter Estachel disse:

    Um lugar incrível, nas descartam o verão temperaturas altíssimas, com muita umidade, beira o insuportável.

  • Mario Jefferson disse:

    Oi, gostaria de saber se para fazer o Caminho da Missões tenho necessariamente que fazer junto a alguma agência de turismo?

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