20 anos sem Luiz Sérgio Metz, o Jacaré

luiz sergio metz jacare_ foto marcia barth dos santos

Ontem fez 20 anos da morte do escritor Luiz Sérgio Metz, o Jacaré. Para lembrá-lo, o Aquí me Quedo deixa dois presentes.

O primeiro é texto escrito pela Marcia Barth dos Santos, grande amiga dele (e agora também minha, eba!), que teve o prazer desta convivência e ainda nos brindou com fotos de seu arquivo pessoal. O segundo é o link da Amazon para baixar, de graça, o Assim na Terra. Para muitos críticos, esta é uma das obras literárias mais importantes do país nas últimas décadas, reeditado pela CosacNaify em 2013. Inspirada num verso de T. S. Eliot — “no meu começo está meu fim e no meu fim meu começo” —, a narrativa acompanha a jornada do protagonista pelo pampa gaúcho em sua viagem de autoconhecimento. Aproveite para saber mais sobre o autor – obcecado pelo Sul – neste post baixo e também AQUI. 

Como escrever-te sem desnudar-me?

*texto de Marcia Barth dos Santos

luiz sergio metz jacare

Foto: arquivo pessoal de Marcia Barth dos Santos

A cada mudança de estação me lembro de ti. Desde que vim para o Sul, tenho uma janela pra natureza e constato: É assim na terra. Passam as quatro estações, cada uma com suas cores, seus cheiros, que nos remetem a recuerdos distantes.

Neste ano, quando as folhas mudaram de cor, fui buscar no google teu texto sobre o outono. Não estava. Não havia quase nada teu. Pessoas como tu não estão no mundo virtual, sequer existiram no mundo real, foram sonho e sofrimento e seguem vivas apenas no coração de quem as amou.

Como nada encontrei, recorri às marcas que tu deixaste na minha alma. O que de ti vive em mim? O que fomos nós dois? A resposta está nas tuas palavras : “Entre irmãos de arte, geografia à parte, não há contrabando”. E posso afirmar com certeza que “havia mais Sul em meu rosto quando chegava à tua casa, irmão de cavalos mansos, irmão de terra lavrada, irmão de rastro e pegada”.

Nesse cair de folhas me dei conta que faz 20 anos que tu partiste. Como diz o tango: “vinte años no és nada”. Mas, como tu dirias: “isso não é pouca coisa”.

É muito tempo para uma saudade, mas pouco para ter esquecido. Nesse tempo tão longo e tão curto tive tantas lembranças. No começo era sombra, depois uma riqueza, uma luz que acendia, e hoje busco mais no fundo do fundo da memória e a memória não tem fundo. Tá tudo vivo ainda, o fogo todavia arde.

Para escrever-te busco o fio da meada e ando no fio da navalha, porque se trata de tarefa complexa, de falar de encruzilhadas.

Tu tinhas na cara, o que Hamlet levava na alma. Constantemente repetias a pergunta: “how does it feel?” Repetias também como um mantra: “I feel like I’m knocking on heaven’s door.”

Amigo, hoje tu podes me responder como é estar batendo na porta do céu. O céu existe? Há um Sul no céu? Afinal, Jesus é o mesmo Deus?

Bueno, te conto que nesse momento em que escrevo, no Sul ainda é outono, prenúncio do inverno, que nesse ano de 2016 vai começar às 19 horas e 34 minutos desse triste dia 20. É outono, portanto, quando as folhas se pintam de amarelo. Como tu dizias: “amarelo cor de casebre com susto, amarelo-laranja-madura.“ Perguntou uma vez o poeta chileno: Por que no outono as folhas ficam amarelas e se suicidam?

“O outono começa com um assovio lancinante do vento, com olhar laranja-maduras folhas de plátano que espalham seu bronze múltiplo na relva. Uma desolação boa e primordial de desagasalhos e dedos sujos.”

Essa noite 20 anos de um tempo largo, um não haver sido, não haver estado, um tempo não compartido, não compartilhado.

Penso então em dar-te um presente mimético, esse que toma a forma escolhida pelo dono. Me aproprio das palavras que amavas, te busco lendo e relendo e minha cabeça chega a latejar de tanta saudade mal e mal acomodada.

Nesse tempo tan corto y tan largo, tu chegaste a mim a cada Bob Dylan, a cada Borges e seus espelhos, a cada labirinto em que me metia. Labirintos encruzilhadas. Quando não sabia por onde ir, decidia: vou pela Rua Moura que não existe no mapa.

Bússola, era isso que me faltava. Encontrei uma, mas o ponteiro aponta sempre e apenas para o Sul. “Eu observo tudo atrás da báscula embaçada pelo hálito, e a palma da mão no vidro procura desturvar.”

Que escrever de ti, ou prá ti ? Te contar que hoje a intuição sempre me leva pro Sul ? Que agora sei que Sul sempre se escreve com maiúscula? Que é por demais sabido que o Sul começa do outro lado da Rivadávia? Que teu recado me alcançou ?

Quantas risadas da coisa em si, que por supuesto, naquele tempo era, e hoje sabe-se que prá sempre será, incognoscível, sendo conveniente lembrar que a gente nunca passa duas vezes pela coisa em si. Lembra de nosso amigo cuja bússola apontava sempre para o norte, em qualquer ponto que ele estivesse? É assim: cada um com sua bússola. A nossa sempre apontou para o Sul.

Te sinto aqui. Tu ainda estás aqui. Tu és o nome na minha saudade.

Quem foi Luiz Sérgio Metz

Luiz Sérgio Metz

Fotos: Arquivo pessoal Márcia Barth dos Santos

Luiz Sérgio Metz nasceu na cidade Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, no ano de 1952, foi jornalista, escritor e ainda letrista do grupo Tambo do Bando.

Nos deixou três livros. O compêndio de contos O Primeiro e o Segundo Homem (Martins Livreiro, 1981), a biografia de Aureliano de Figueiredo Pinto (Tchê, 1986) e o romance Assim na Terra (Artes & Ofícios, 1995).

Luiz Sérgio MetzEsse último, segundo Luís Augusto Fischer, é uma novela de iniciação, um relato de viagem, uma meditação sobre ser do sul do mundo. O livro é considerado uma das 10 mais importantes obras de ficção do Rio Grande do Sul de todos os tempos.

Carlos André Moreira, no texto Um livro desafiador desencavado em milonga, conta que “Assim na Terra começa com quatro breves descrições das estações, marcando a divisão inevitável da vida humana em ciclos. A partir daí, o livro ingressa na trama, narrada em primeira pessoa por um personagem sem nome em viagem pelo Sul. No caminho, depara com situações e personagens variados: um artista disposto a vender a alma ao diabo para aperfeiçoar sua arte, um velho sábio chamado Gomercindo, aterradoras máquinas introduzidas no cultivo da terra, um lugar misterioso onde se armazenam as memórias”.

Jacaré, como era conhecido, morreu de câncer em 20 de junho de 1996.

Postumamente, teve publicado o volume Terra adentro (Arquipélago, 2006), relato de uma viagem a cavalo pelo interior do estado, ao lado dos amigos Pedro Luiz Osório e Tau Golin. Os três montaram em cavalos e partiram para uma viagem rumo ao Interior do Estado. Saindo de Santa Maria, embrenharam-se pelos confins gaúchos, parando apenas em Jaguarão, próximo à fronteira com o Uruguai, 13 dias e 600 quilômetros depois.

Hoje, por acaso, eu descobri que a Amazon está com uma promo chamada Kindle Unlimited, com alguns livros que se pode baixar de graça.

Corre lá, baixa o Assim na Terra agora, e o guarda para ler num dia bem frio de inverno.

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